Acordo entre CADE e BACEN: convergência, eficiência e expectativas
Em 28 de fevereiro, CADE e BACEN celebraram Memorando de Entendimentos relacionado com os procedimentos de análise de atos de concentração e condutas anticompetitivas no sistema financeiro nacional. Quem acompanha o trabalho das duas entidades há mais de quinze anos sabe que o relacionamento entre elas viveu uma montanha russa, com momentos de conflito alternados com fases de harmonia. O Memorando demonstra que vivemos uma tendência à convergência.
Não há setor imune às regras de livre concorrência. Essa premissa foi facilmente aceita por inúmeros setores após a abertura do mercado no início dos anos 90, incluindo empresas de telecomunicações, petróleo e gás e transporte, entre muitas outras.
O setor que gerou maior polêmica foi o sistema financeiro. Defendeu-se que os bancos não poderiam estar sujeitos aos critérios do CADE, muito menos aos tempos do CADE. Nos anos 90, um ato de concentração podia levar mais de um ano para ser aprovado, sem contar o risco de, ao final, haver a imposição de condição ou reprovação da operação. Para os bancos, esse tempo e risco poderiam afetar o valor do ativo e até mesmo a credibilidade no sistema (’risco sistêmico’). Essa polêmica desencadeou uma série de discussões, incluindo casos concretos, disputas judiciais e até mesmo projetos de alteração legislativa.
O discurso de posse do atual presidente do CADE apresenta diversas passagens interessantes, mas chamou a atenção sua firme intenção de ampliar e melhorar o diálogo com outras autoridades. E assim tem sido feito. O CADE tem dialogado mais com o INPI, o BACEN e diversas outras entidades.
A convergência de entendimentos é muito positiva. Gera, antes de mais nada, um ambiente mais harmônico. Independentemente do arranjo que se chegará ao final desse episódio, o ambiente harmônico e o fim de um conflito tendem a eliminar ineficiências que o processo do conflito gera.
De fato, há algum tempo o relacionamento entre CADE e BACEN tem sido harmonioso e de cooperação mútua. Não raras vezes, uma entidade consulta a outra sobre temas de interesse comum.
Fica porém uma pergunta: o que se pode esperar dessa intenção de novo arranjo entre CADE e BACEN?
O Memorando apresenta muitas intenções e compromissos de cooperação com o objetivo de trazer maior segurança jurídica e previsibilidade para a defesa da concorrência no Sistema Financeiro Nacional.
Uma alteração importante é o reconhecimento, pelo CADE, de que a posição do BACEN deve prevalecer quando o objeto do ato de concentração representar algum risco sistêmico. Nesses casos, o CADE acatará a posição emitida e fundamentada pelo BACEN e aprovará o ato de concentração de imediato.
No passado houve grande debate sobre quando se daria o risco sistêmico e se não poderia haver certo abuso na utilização dessa prerrogativa. Os defensores de uma posição mais severa por parte do CADE apontavam inclusive o risco de captura maior do órgão regulador, se comparado com o de defesa da concorrência.
O Memorando indica que o argumento do risco sistêmico não deve alcançar operações que não estejam estritamente relacionadas com o Sistema Financeiro Nacional, a exemplo da polêmica aquisição do XP pelo Banco Itaú que não entraria na avaliação do risco sistêmico.
Outra disposição interessante é a de que o CADE irá consultar o BACEN em casos de condutas envolvendo atividades típicas do Sistema Financeiro Nacional. Embora a redação não seja precisa, entende-se que o CADE não deve pedir autorização para aplicação das penalidades, mas apenas consultar o BACEN para realizar uma análise mais precisa e chegar a uma conclusão mais robusta.
Finalmente, o Memorando prevê que as partes devem colaborar para eliminar os pontos de fricção. O CADE deverá pedir o arquivamento de processo que tramita perante o STF em que se discute sua competência para análise de atos de concentração no Sistema Financeiro Nacional. Além disso, ambas as partes deverão trabalhar em conjunto para apresentar sugestões ao Projeto de Lei Complementar em trâmite perante o Congresso Nacional, que trata especificamente desse conflito.
A convergência e a harmonia são pontos positivos do Memorando. Mas, o momento é de máximo questionamento do Sistema Financeiro Nacional em decorrência da alta concentração, intensa verticalização e práticas (coordenadas ou não) que podem afetar concorrentes e novos entrantes.
Há discussões em mercados como o de cartões de pagamento, corretagem de moeda estrangeira, empréstimos consignados, transporte de valores e criptomoedas, entre outros. A expectativa é que o Memorando ajude antes de mais nada a Sociedade como um todo e que as eficiências geradas com o fim do conflito se revertam em um Sistema Financeiro Nacional mais aberto, competitivo e com controles mais rigorosos aos atuais agentes.