O dever de fornecimento de medicamentos pelo Estado nas recentes decisões do STF
Na última sessão do plenário físico, o Supremo Tribunal Federal julgou relevantes questões envolvendo o dever do Estado de fornecer medicamentos, à luz do disposto no art. 196 da Constituição Federal, restando fixadas teses com repercussão geral.
Como se sabe, apesar da clareza do disposto na referida norma constitucional (Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação), são milhares as demandas ajuizadas que versam sobre diversos aspectos do direito fundamental à saúde, sobretudo porque implica no desembolso de valores relevantes pelo poder público, sem previsão orçamentária.
O primeiro tema debatido pelos Ministros foi o de número 500, cuja controvérsia era definir o dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA.
Nesse sentido, o STF deu parcial provimento ao recurso extraordinário 657.718, para reconhecer que, em situações excepcionais, o Estado deve arcar com os custos desses medicamentos. Assim restou fixada a seguinte tese:
“1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União”.
Cabe salientar que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, controvérsia similar já havia sido afetada pela sistemática dos recursos repetitivos, pelo tema 106 (Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS). Em sessão de julgamento realizada em 25.04.2018, a 1ª Seção negou provimento ao recurso especial 1.657.156/RJ interposto pelo Estado do Rio de Janeiro, fixando a tese nos seguintes termos:
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.”
Como visto, na recente decisão o STF alargou a abrangência do entendimento acima ao possibilitar que, mesmo sem registro na ANVISA, determinado medicamento seja fornecido pela União (afastando a responsabilidade, nesse caso específico, dos demais entes da federação), desde que observados aqueles requisitos acima elencados.
Já o segundo tema analisado pelo STF foi o da natureza da responsabilidade, entre os entes da federação, pelo fornecimento de medicamentos. A Suprema Corte havia firmado, no tema 793, por ocasião do julgamento RE 855.178-RG/SE, afetado pela sistemática dos recursos repetitivos, a seguinte tese: “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente.”
No entanto, contra o respectivo acórdão a União opôs embargos de declaração trazendo o debate sobre a responsabilidade subsidiária, e não solidária, da União. Na sessão plenária do dia 22.05.2019, por maioria de votos, foram rejeitados os embargos de declaração e reafirmada a jurisprudência dominante da Corte de que os entes da Federação, isolada ou conjuntamente, têm obrigação solidária no dever de efetivar o direito à saúde em favor dos necessitados.
O terceiro tema, de número 6, que afetou o recurso extraordinário nº 566.471, está pautado para ser julgado na sessão do dia 13.06. Será decidido pelo plenário “O dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para compra-lo.”
Ainda que não se possa saber de antemão qual será o entendimento da Suprema Corte em relação a esse último debate, já é possível concluir, pelo histórico dos acórdãos do STF, confirmados pelas últimas teses fixadas, que existe uma clara preocupação em se tutelar o direito à saúde, como corolário do bem maior que é a vida, da forma mais eficiente possível a fim de dar concretude ao art. 196, ainda que se tenha que sacrificar os cofres públicos para isso. Reiteradamente, os ministros salientam que o dever de fornecer medicamentos é do Estado (latu sensu) e decorre de norma constitucional, com status de direito fundamental, não podendo os entes da federação e a União se furtarem dessa responsabilidade.