A legitimidade das associações para a propositura de demandas coletivas
A propositura de ações coletivas por associações de “baixa representatividade” tem aumentado significativamente, tornando pertinente analisar a efetiva legitimidade desta pessoa jurídica para assim atuar em juízo.
Como ponto de partida, a Constituição Federal de 1988 preceitua que “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente” (art. 5, inciso XXI).
Tal dispositivo constitucional parece sugerir que as associações podem defender quaisquer interesses de seus filiados e a qualquer tempo. Esta premissa, contudo, não resiste a uma análise mais detalhada da legislação no plano infraconstitucional.
Com efeito, o legislador pátrio tratou do tema em diversas leis, entre as quais a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que compõem, juntamente com outros diplomas legais, o denominado microssistema coletivo.
Analisando-se a Lei nº 7.347/85 é possível perceber ao menos dois requisitos para a atuação associativa: de um lado, uma condicionante temporal (estar constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil), e, do outro, uma condicionante material, a qual será melhor explorada abaixo. A soma de ambas compõe o que MAZZILLI denominou de “representatividade adequada”.
Ao presente trabalho interessa especificamente a análise da segunda condicionante (também conhecida por pertinência temática), uma vez que as discussões em torno do requisito temporal parecem já ter se exaurido, com a posição dos Tribunais no sentido de que é dispensável.
O supramencionado requisito material, imperativo, significa que, para que uma associação possa atuar em juízo como representante de seus associados, seu estatuto deve prever “entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.
Consiste, portanto, na “adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional”, isto é, na necessidade de que a associação busque em juízo a tutela de direitos inerentes ao seu objeto, algo que decorre do seu próprio significado, isto é “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos” (art. 53 do Código Civil).
Ressalte-se que a finalidade institucional não pode ser demasiadamente genérica, sob pena de se admitir que uma única associação defenda qualquer espécie de direito, o que certamente não foi a intenção do legislador, sobretudo por ter reforçado em lei cada bem jurídico passível de tutela.
Ao lado da condição material supracitada, dispõe o art. 2º-A da Lei nº 9.494/97 que “a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”.
Por fim, cabe citar ainda a restrição decorrente do julgamento do Recurso Extraordinário nº 573232/SC. Nesta oportunidade, o voto vencedor do Ministro Marco Aurélio ressaltou que somente se beneficiará de uma decisão favorável, em ação civil pública proposta por associação, aqueles que conferiram as devidas autorizações para o ajuizamento da ação. Decidiu-se que “prevê o estatuto autorização geral para a associação promover a defesa, claro, porque qualquer associação geralmente tem no estatuto essa previsão. Mas, repito, exige mais a Constituição
Federal: que haja o credenciamento específico”.
Conjugando as situações legais e o entendimento do C. STF, tem-se que, muito embora as associações possam ingressar com ações judiciais, diante do que prevê a Constituição Federal, estas devem defender apenas temas coerentes aos seus respectivos objetos. Além disso, ao demandarem em nome dos seus associados, deverão contar com autorização destes, que poderá ser concedida individualmente ou em assembleia.
Mais do que isso. Nos termos do julgado acima, somente poderão se beneficiar de eventual decisão favorável, aqueles associados que expressamente autorizaram a defesa de seus direitos pela associação, quando da propositura da ação judicial.
Acresça-se a isso o fato de que o processo coletivo objetiva que com uma única decisão diversos casos sejam resolvidos, motivo pelo qual o pedido da associação há de obrigatoriamente respeitar essa natureza e observar que caberá a cada associado a liquidação de seu dano sentido. Qualquer associação que objetive tutelar direito próprio carece de interesse processual coletivo, devendo utilizar-se da via ordinária.
Por tudo o que se disse acima, fica claro que a atuação das associações no processo coletivo não é livre e desimpedida, mas sim regrada por algumas restrições, quais sejam (I) autorizadora específica (Constituição Federal), (II) temporal, (III) material (representatividade adequada) e (IV) limitadora (Lei nº 9.494/97).
As citadas restrições visam, acima de tudo, combater que associações sem qualquer finalidade possam surgir e atrapalhar o Poder Judiciário. E mais, funcionam como um filtro que merece ser explorado pelo corpo jurídico na defesa das pessoas físicas e jurídicas em face das demandas infundadas e sem qualquer objetivo legítimo.