Artigos em Série: As principais alterações na Lei de Recuperação Judicial
Tema 2: Apresentação do Plano de Recuperação Judicial pelos Credores e Consolidação processual e substancial
Na semana passada comentamos as alterações da Lei de Recuperação Judicial e Falência que entraram em vigor no último dia 23.01.2021, especificamente no tocante ao sistema de pré-insolvência e stay period.
Nesse artigo daremos seguimento à análise das principais alterações na legislação do direito de insolvência, abordando duas inovações legais: a possibilidade de os credores apresentarem um plano de recuperação judicial e as figuras da consolidação processual e substancial.
Apresentação do Plano de Recuperação Judicial pelos Credores
Sob o regime da LRJF anterior às alterações trazidas pela Lei 14.112/2020, a função de apresentar o plano de recuperação judicial era atribuída exclusivamente ao devedor, ainda que a possibilidade de alteração do plano durante a assembleia (art. 56, § 3º) pudesse resultar, na prática, da costura das contrapropostas dos credores.
Agora, a Lei prevê a alternativa de apresentação pelos credores de um plano de recuperação judicial, sem anuência do devedor. Nessa hipótese, se no prazo do stay period não ocorrer a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor, então será facultado aos credores a apresentação de um plano alternativo (cf. § 4-A, II, do art. 6º).
O mesmo poderá ocorrer caso haja a rejeição do plano apresentado pelo devedor em Assembleia Geral de Credores, caso em que o administrador judicial submeterá à votação, no ato da Assembleia Geral de Credores, a concessão de prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado plano de recuperação pelos credores (cf. art. 56, § 4º).
Essa possibilidade representa uma importante mitigação do efeito imediato de convolação em falência pela rejeição do plano que existia. O plano alternativo deverá ter o apoio de credores que representem mais de 25% dos débitos ou de credores presentes na assembleia que representem mais de 35% dos créditos (art. 56, § 6º, inciso III).
Há quem diga que o prazo de 30 dias para apresentação do plano pelos credores é excessivamente curto, quando comparado ao prazo de 60 dias garantido ao devedor[1]. Ora, se o devedor, que tem acesso a todas as informações financeiras goza de um prazo de 60 dias, de que forma os credores conseguirão elaborar um plano robusto e eficaz na metade deste prazo?
De qualquer forma, não há como se perder de vista a relevante alternativa à liquidação dos ativos decorrente da convolação em falência pela rejeição do plano, que configura um “respiro” ao devedor, além da possibilidade de fazer valer os interesses dos credores.
Com efeito, o art. 73, III, passa a prever que o juiz apenas convolará em falência a recuperação judicial quando não aplicado o disposto nos § 4, 5 e 6 do art. 56 (que tratam do plano alternativo dos credores) ou quando o plano dos credores for rejeitado nos termos do § 8º.
Consolidação processual e substancial
Em linha com a jurisprudência, a Lei traz em suas disposições a possibilidade de os devedores que integrem grupo sob controle societário comum requererem a recuperação judicial.
Vale dizer, quando se estiver diante de grupos econômicos, como medida máxima de economia processual – para se evitar vários processos de recuperação judicial processados ao mesmo tempo e em comarcas distintas – será iniciado um único processo de recuperação judicial; a chamada consolidação processual. A consolidação processual não impede que alguns devedores obtenham a concessão da recuperação judicial e outros tenham a falência decretada (art. 69-G).
Ainda, com a consolidação processual é possível que os devedores apresentem um plano único, que permita uma adequada visão de conjunto, com redução de custas e ganho de eficiência, desde que respeitada a individualidade, patrimônio e passivo, de cada recuperanda[2].
Já a consolidação substancial ocorre quando os devedores apresentam um plano unitário[3] de recuperação judicial, considerando a união dos passivos e dos ativos, de modo que deixa de haver qualquer segregação de créditos entre as devedoras.
Assim, a consolidação substancial, amplamente discutida pela jurisprudência, significa ir um passo além da consolidação processual: nesta hipótese, as recuperandas têm sua autonomia patrimonial excepcionalmente afastada, de maneira a unificar as listas de credores das sociedades e, consequentemente, fazer com que o seu plano de recuperação judicial seja deliberado em assembleia única, por todos os credores de todo o grupo econômico consolidado (art. 69-J).
Para tanto, a Lei prevê que o juiz poderá, independentemente da realização de Assembleia Geral de Credores, autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, apenas quando constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos.
Além disso deverão ser observados ao menos 2 dos seguintes elementos, de forma cumulativa: I – existência de garantias cruzadas; II – relação de controle ou de dependência; III – identidade total ou parcial do quadro societário; e IV – atuação conjunta no mercado entre os postulantes.
Cabe notar, que, pela redação do art. 69-L, § 2º, a rejeição do plano unitário na Assembleia Geral de Credores implicará na convolação da recuperação em falência.
A questão que poderá ser suscitada é se teria o legislador afastado, nesse caso, a faculdade de os credores apresentarem o plano alternativo mencionado no item supra, a fim de se evitar a convolação imediata em falência.
Isso porque, verifica-se uma aparente contradição entre a redação do art. 69-L, § 2º, ao prever que a não aprovação do plano unitário acarretaria automaticamente a convolação em falência, com o disposto no art. 73, III c/c art. 56 § 4º, 5º e 8º que faculta aos credores a apresentação do plano alternativo, e que, apenas em caso de não exercício dessa faculdade ou de rejeição do plano, é que o juiz poderá convolar em falência a recuperação judicial.
Em uma análise preliminar da questão, nos parece que o princípio da preservação da empresa que norteia todo o instituto da recuperação judicial seria injustificadamente mitigado em detrimento de uma leitura literal do art. 69-L, § 2º. Assim, entendemos que o art. 69-L § 2º deve ser interpretado de forma sistemática, com a observância dos arts. 73, III c/c art. 56 § 4º, 5º e 8º.
De todo modo, a previsão acerca da consolidação processual e substancial veio a positivar entendimento que já estava sendo adotado pela doutrina, mas que ainda havia certa dissonância no âmbito jurisprudencial. A alteração traz, nesse sentido, maior segurança jurídica para os credores e devedores e mitiga a interposição de recursos sucessivos para dirimir a controvérsia.
[1] MARQUES, André Moraes; ZENEDIN, Rafael Nicoletti. Uma análise Comparativa do Direito de propor o Plano de Recuperação Judicial à Luz das Legislações Americana e Brasileira. Em Recuperação Judicial: análise comparada Brasil-Estados Unidos (coord. André Chateaubriand Martins e Márcia Yagui). São Paulo: Almedina, 2020, p. 161 e ss.
[2] SALLES DE TOLEDO, Paulo Fernando Campos. Temas de Direito Empresarial e outros estudos em homenagem ao professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães. Coord. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 350/351.
[3] Importante destacar a diferença das nomenclaturas; plano unitário é justamente aquele apresentado como consequência da consolidação substancial; já o plano único respeita a autonomia das personalidades jurídicas, apenas estando apresentada no mesmo documento.