Oportunidade Tributária na “carona” da Greve dos Caminhoneiros
A ação política dos caminhoneiros junto ao Governo visando reduzir a carga tributária nas aquisições de óleo diesel abre espaço para que outras empresas exijam tratamento isonômico e adequação tributária que corrija a elevada tributação de produtos e serviços essenciais, inclusive se valendo da efetiva aplicação do princípio da seletividade.
No mês de maio de 2018, o Brasil assistiu a uma das mais impactantes greves dos últimos tempos. Entre os dias 21 e 30, milhares de caminhoneiros cruzaram os braços e, com seus veículos, bloquearam diversas estradas, provocando desabastecimento e paralisação de diversas atividades econômicas.
Acuado, o Governo Federal não teve outra alternativa senão ceder. Além de medidas como a redução do preço do óleo diesel e a criação de política de preços mínimos no transporte rodoviário de cargas, a União reduziu a carga tributária incidente sobre o óleo diesel, tendo como contrapartida à perda de receitas a “reoneração” da folha de pagamentos, o ressurgimento do adicional da COFINS-Importação para as operações com certos produtos, a vedação à compensação de estimativas de IRPJ e CSLL, a redução do REINTEGRA e, ainda, um pedido para que as Unidades da Federação reduzissem o ICMS incidente nas operações com óleo diesel (o que foi atendido por algumas Unidades da Federação).
Deixando de lado elementos políticos e ideológicos, esse acontecimento impõe que se considere a adequação de outros setores que também dependem de produtos e serviços essenciais e que sofrem com a elevada carga tributária que incide sobre tais insumos. A efetiva aplicação do princípio da seletividade do ICMS requer que outros produtos e serviços essenciais tenham sua carga tributária adequada para que se respeite o que determina a Constituição Federal. As empresas deveriam, portanto, provocar o Poder Judiciário para que cumpra seu papel nesse contexto.
Nossa Constituição Federal prevê claramente que o ICMS deverá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e serviços (art. 155, II §2º, III). Bem aplicado este princípio, teríamos que a carga tributária seria inversamente proporcional à essencialidade do bem, o que é amplamente ignorado (e descumprido) pelos Estados e pelo Distrito Federal.
Bens e serviços nitidamente essenciais, como energia e telecomunicações, são de fácil arrecadação (exigem pouca fiscalização) e consumidos em larga escala (viabilizando maximizar a tributação) se sujeitam, em alguns Estados, às mesmas alíquotas aplicáveis às operações com bebidas alcóolicas, tabaco e armas.
No passado, chamado a intervir, o Poder Judiciário proferiu decisões em sentido contrário aos contribuintes, afirmando a impossibilidade de “substituir” o legislador na fixação das alíquotas do imposto, ainda que a pretexto de corrigir determinadas distorções. Na prática, o princípio constitucional acabava sendo bastante esvaziado.
Felizmente, porém, temos observado uma tendência de reversão desse entendimento no Poder Judiciário. Citamos, como exemplo, o entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que concluiu pela inconstitucionalidade da fixação da alíquota de 25% nas operações com energia elétrica.
O STF, guardião maior da Constituição Federal, também chegou a se manifestar nesse mesmo sentido. Naquela Corte, ainda, tramita um recurso extraordinário (com repercussão geral reconhecida) em que o tema deverá ser examinado pelo Plenário da Corte.
Assim, embora não dotados do mesmo nível de organização e poder de barganha dos caminhoneiros, os demais contribuintes têm em seu favor a previsão constitucional de que o imposto deverá ter suas alíquotas calibradas de acordo com a essencialidade das mercadorias e dos serviços, podendo fazer valer seus direitos inclusive mediante o acesso ao Poder Judiciário.