Medida Provisória nº 927/2020 altera regras trabalhistas visando à manutenção de empregos em decorrência do Coronavírus
A pandemia mundial chama atenção pelo número de infectados e vítimas fatais. O Poder Público, em todas as esferas, iniciou uma série de medidas protetivas, visando evitar a propagação do vírus. Dentre as medidas, muitas delas acarretam na restrição da livre movimentação das pessoas, além de determinação do fechamento de estabelecimentos comerciais, mantendo aberto somente aqueles essenciais.
Contudo, um relevante número de empresas e atividades econômicas depende da circulação de pessoas e materiais para sobrevivência. Assim, fácil prever uma crise sem precedentes ante a necessária restrição de movimentação, o que leva a um receio de aumento massivo de desempregados e, com isso, um impacto enorme na economia do país.
Ante tal cenário, o Governo Federal emitiu a Medida Provisória nº 927/2020, de 22 de março de 2020, a qual foca, especificamente, nas relações trabalhistas. Diversos temas foram alterados, outros criados, valendo destacar os principais pontos que afetam os empregadores, como (i) Teletrabalho; (ii) Antecipação de Férias Individuais; (iii) Férias Coletivas; (iv) Antecipação de Feriados; (v) Banco de Horas; e (vi) Flexibilidade no Recolhimento do FGTS:
Teletrabalho (home office)
– Empregador decide: A critério do empregador, o regime de trabalho dos empregados, estagiários e aprendizes, poderá ser alterado de presencial para o teletrabalho (home office), independentemente de acordos individuais ou coletivos, sem necessidade de registro, bastando a comunicação prévia com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, por meio escrito ou eletrônico[1].
– Ausência de controle de jornada: Fica configurado que, durante este período, os empregados em teletrabalho não estão submetidos a controle de jornada[2]. Salvo acordo coletivo ou individual, eventual utilização de aplicativos e programas de comunicação, fora da jornada de trabalho normal do empregado, não constituirão tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso[3].
– Custeio da infraestrutura: O custeio da infraestrutura para prestação do teletrabalho, bem como de eventuais despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito, o qual pode ser assinado previamente ou em até 30 dias a contar da data do início do teletrabalho[4]. Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos, o empregado poderá emprestá-lo sem custos[5].
Antecipação de férias individuais
– Empregador decide: A critério do empregador, as férias individuais dos empregados poderão ser antecipadas, mediante comunicação (escrita ou eletrônica) com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência[6].
– Requisitos + Possibilidade de antecipação: Mesmo que o empregado não tenha o período aquisitivo completo, as férias poderão ser concedidas, sendo que o período de gozo não pode ser menor que 5 (cinco) dias. Além disso, mediante acordo individual por escrito, futuros períodos aquisitivos poderão ser antecipados[7].
Férias coletivas
– Empregador decide: A critério do empregador, mediante notificação (não há especificação quanto a forma, portanto, presume-se escrita), poderá conceder férias coletivas aos seus empregados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas[8].
– Flexibilização das regras celetistas: As férias poderão ser gozadas em mais de 2 (dois) períodos anuais, podendo ser em período menor de 10 (dez) dias. Além disso, não há necessidade de informar ao Sindicato e ao Ministério da Economia[9].
Antecipação de feriados
– Empregador decide (em feriados não religiosos): A critério do empregador, há possibilidade de antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, mediante notificação (escrita ou eletrônica) aos empregados envolvidos com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência[10].
– Anuência do empregado em feriados religiosos: Para os feriados religiosos, há necessidade de anuência por escrito do empregado, mediante acordo individual[11].
Banco de horas
– Interrupção das atividades + Aumento do prazo de compensação: Por acordo coletivo ou individual por escrito, poderá ser formado regime especial de compensação de jornada por banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, para compensação no prazo de até dezoito meses (a contador da data de encerramento do estado de calamidade pública)[12].
– Limite da compensação diária e escolha das datas: Somente poderão ser prorrogadas 2 (duas) horas por dia de trabalho, respeitando o limite de 10 (dez) horas diárias[13].
Flexibilidade no recolhimento do FGTS
– Carência para pagamento + Parcelamento: Para todos os empregadores, fica suspenso o pagamento do FGTS para as competências de março, abril e maio de 2020, os quais poderão ser recolhidos em até seis parcelas mensais, sem atualização, multas e encargos, a partir de julho de 2020. Para usufruir deste benefício, necessário cumprir os requisitos elencados na MP[14].
– Pagamento antecipado na hipótese de rescisão: Caso o empregado seja dispensado durante o parcelamento do FGTS, haverá antecipação dessas parcelas para este empregado, com a necessidade de quitação dentro dos prazos legais[15].
Vale mencionar que a MP também previa a suspensão de contratos de trabalho com suspensão de remuneração (art. 18), possibilidade que foi revogada na tarde desta segunda-feira, dia 23.
Destacamos, também, que foram convalidadas eventuais medidas trabalhistas adotadas pelos empregadores que não contrariam o disposto na MP, desde que tomadas no período de trinta dias antes de sua vigência (22/03/2020)[16]. Trata-se de uma “validação às cegas” de atitudes, mas que devem ser analisados caso a caso e com extrema cautela, para verificar sua sustentabilidade jurídica.
Como visto, claramente a MP visa resguardar a saúde do empregado com o isolamento social, bem como, os empregos já existentes e a continuidade da atividade empresarial, dando ao empregador, na maioria das vezes sem necessidade de aval do empregado, o poder de escolher a alternativa mais viável nesse sentido.
Todas essas disposições temporárias trazidas pela Medida Provisória possuem vigência enquanto perdurar o estado de calamidade[17], além de possuir outros requisitos formais e burocráticos a serem seguidos.
Fácil de imaginar que haverá reação dos Sindicatos e, em futuro próximo, uma enxurrada de ações discutindo sua validade. Contudo, talvez estejamos, pela primeira vez, vivendo os efeitos de um evento de “força maior”, situação que possui previsão legal[18] e dá amparo jurídico para medidas transitórias que pensem no bem maior em escala social (manutenção dos empregos).
[1] Art. 4º, da MP 927/2020 – Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
- 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.
[2] § 1º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. § 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.
[3] § 5º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
[4] § 3º As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.
[5] § 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância: I – o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial;
[6] Art. 6º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado
[7] § 1º As férias: I – não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos; e II – poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido. § 2º Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.
[8] Art. 11. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
[9] Art. 12. Ficam dispensadas a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional, de que trata o art. 139 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943
[10] Art. 13. Durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.
[11] § 2º O aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.
[12] Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
[13] Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
[14] “Art. 20. O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos no art. 22 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
- 1º O pagamento das obrigações referentes às competências mencionadas no caput será quitado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020, observado o disposto no caput do art. 15 da Lei nº 8.036, de 1990.
- 2º Para usufruir da prerrogativa prevista no caput , o empregador fica obrigado a declarar as informações, até 20 de junho de 2020, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 32 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e no Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, observado que:
I – as informações prestadas constituirão declaração e reconhecimento dos créditos delas decorrentes, caracterizarão confissão de débito e constituirão instrumento hábil e suficiente para a cobrança do crédito de FGTS; e II – os valores não declarados, nos termos do disposto neste parágrafo, serão considerados em atraso, e obrigarão o pagamento integral da multa e dos encargos devidos nos termos do disposto no art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990.”
[15] Art. 21. Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, a suspensão prevista no art. 19 ficará resolvida e o empregador ficará obrigado:
I – ao recolhimento dos valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos devidos nos termos do disposto no art. 22 da Lei nº 8.036, de 1990, caso seja efetuado dentro do prazo legal estabelecido para sua realização; e II – ao depósito dos valores previstos no art. 18 da Lei nº 8.036, de 1990.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput , as eventuais parcelas vincendas terão sua data de vencimento antecipada para o prazo aplicável ao recolhimento previsto no art. 18 da Lei nº 8.036, de 1990.
[16] Art. 36. Consideram-se convalidadas as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem o disposto nesta Medida Provisória, tomadas no período dos trinta dias anteriores à data de entrada em vigor desta Medida Provisória.
[17] Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020
[18] Art. 501, da CLT – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.