Negociação Coletiva ganha Força como Solução mais Segura sob o Aspecto Jurídico
Com a declaração de pandemia global do coronavírus pela Organização Mundial da Saúde (OMS), empresas e empregados se depararam em um contexto complexo e sensível, uma vez que a determinação para restrição da livre movimentação de pessoas e fechamento de estabelecimentos comerciais não essenciais já impactaram a viabilidade econômica de muitos empregadores e, via de consequência, as relações trabalhistas.
Neste cenário, a Medida Provisória nº 936/2020[1], autorizou empregados e empresas a negociarem, sem a participação sindical, questões como suspensão do contrato de trabalho e redução da jornada com a respectiva redução salarial.
Não tardou para que o tema fosse levado ao Poder Judiciário. O Partido Político Rede Sustentabilidade questionou, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6363), a legalidade da negociação individual dos temas acima trazidos, requerendo, por Medida Cautelar, a manifestação do STF.
Em liminar proferida (06/04/2020), o Ministro Ricardo Lewandowski deu parcial provimento, no sentido de vincular a validade da negociação individual à eventual manifestação sindical. No entendimento do Ministro, somente após a análise do Sindicato, esta negociação teria validade, podendo o Sindicato iniciar uma negociação do caso ou, em caso de inércia, ficar tacitamente aprovada a negociação individual.
Isto porque, conforme previsto na MP 936/2020, os empregadores deverão notificar os respectivos Sindicatos dos Empregados, em até 10 (dez) dias, acerca de todas as negociações individuais relativas à suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada e salário[2]. Na decisão liminar não houve fixação de prazos para a manifestação sindical, contudo, fora citado o artigo 617, da CLT, o qual prevê 8 (oito) dias para que o Sindicato se envolva nas negociações entre empregados e empregadores[3].
Trata-se de uma decisão liminar, ou seja, ainda passará pela análise dos demais Ministros. Sem prejuízo, ao demandar como requisito de validade da negociação individual a chancela sindical, denota-se potencial destrutivo dos acordos individuais realizados, pois, na prática, os Sindicatos dificilmente terão condições, em um cenário pandêmico, de analisar caso a caso, com a urgência que a situação demanda.
Assim, a tendência é de que diante do volume de solicitações e com o intuito de resguardar direitos, o Sindicato confira uma resposta padronizada a todos os casos, dizendo os termos mínimos que aceita para as negociações individuais, desprezando detalhes do caso concreto.
Percebe-se, portanto, a liminar parece desconecta do atual estado de calamidade vivido, pois, no mundo pandêmico-real, a decisão do STF torna natimorta a negociação individual criada pela MP 936/2020, a qual teve como intuito principal garantir a agilidade necessária na busca de uma solução urgente à crise instaurada pelo COVID-19, sendo que foram fixados padrões para resguardo de direitos, os quais vão de fixação dos percentuais de redução até uma garantia provisória de emprego. Todos cedem em busca de um bem maior, qual seja, manutenção do emprego e viabilidade do empreendimento.
Não obstante as críticas e possíveis alterações futuras nesta decisão, nota-se que a negociação coletiva sai fortalecida desta situação. Inclusive, desde a Reforma Trabalhista, sua validade jurídica e alcance de temas foram ampliados, com o nítido intuito de permitir que a regulamentação da categoria respeite suas respectivas peculiaridades.
Ademais, em momentos de crise como o vivido atualmente, a própria CLT já previa soluções negociadas com o envolvimento sindical. Neste contexto, cita-se Lay-Off[4], suspensão do contrato de 2 (dois) a 5 (cinco) meses, com remuneração facultativa, mediante concessão de curso de qualificação profissional, dependem, dentre outros requisitos, de negociação coletiva para formalização. Trata-se de uma ótima alternativa em momentos de crise.
Outro exemplo relevante de participação Sindical é a possibilidade de redução do salário, mediante redução da jornada. Ainda que exista previsão legal para a redução de salário[5], bem como a própria MP 936/2020 tenha alterações sobre o assunto, no passado a Justiça do Trabalho já enfrentou o tema, oportunidade em que foram estabelecidos parâmetros de validade para essa alteração, como a necessidade de uma contrapartida ao empregado, abrangência geral e indiscriminada, dentre outros[6].
Ademais, visando o empoderamento das Negociações Coletivas de Trabalho, o Ministério da Economia, por meio do Ofício Circular SEI nº 1022/2020, de 24 de março de 2020, flexibilizou a exigência da ata de assembleia para registro dos instrumentos coletivos que venham a ser pactuados, justamente em virtude da impossibilidade de promoção de assembleias durante o isolamento social deflagrado.
Nota-se, portanto, o relevante papel que a Negociação Coletiva pode ter nesse momento de crise e nítida força maior. Além do conhecimento específico da categoria, o envolvimento do Sindicato garante maior segurança jurídica às alterações do contrato de trabalho.
[1] Escrevemos sobre o assunto em: https://iwrcf.com.br/programa-emergencial-emprego-renda-mp936/
[2] Art. 11. As medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observado o disposto no art. 7º, no art. 8º e no § 1º deste artigo.
- 4º Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.
[3] Art. 617 – Os empregados de uma ou mais emprêsas que decidirem celebrar Acôrdo Coletivo de Trabalho com as respectivas emprêsas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas emprêsas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica. § 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado êsse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final.
[4] Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.
[5] Artigo 7º, incisos VI, XII e XXVI, da CF, artigos 8º, III, da CF, artigo 170, III, da CF, artigo 501, da CLT, artigo 503, da CLT, artigo 611-A, da CLT e Lei nº 4.923/65
[6] RR-1156-96.2011.5.04.0811, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 24/04/2015