Os Reflexos Jurídicos da Observância dos Direitos Humanos nas Rotinas Trabalhistas das Empresas
O ano de 2019 começou para o Direito do Trabalho com uma promessa desafiadora: a implantação concreta dos Direitos Humanos, expressão que pode adquirir múltiplos significados, no dia-a-dia das relações individuais de trabalho. Tal objetivo, se realizado, elevará o perene conflito capital-trabalho a um nível qualitativamente superior, conforme será abordado na sequência.
O Decreto nº 9.571, de 21 de novembro de 2018 (Decreto nº 9.571/2018), o qual entrou em vigor na mesma data em que foi publicado, criou o selo “Empresa e Direitos Humanos”, que poderá ser concedido a empresas que voluntariamente aderirem ao programa, e cumprirem as suas regrais as quais, desde já vale ressaltar, não indicam claramente as vantagens diretas que as empresas poderiam obter, se optarem por cumprir as diretrizes que serão fixadas pelo poder público, conforme será abordado na sequência.
Inicialmente, a supracitada norma fixou as diretrizes que o Governo Federal deve observar no que tange à proteção dos direitos humanos nas atividades empresariais, sintetizados em vinte pontos, cujos principais são: a) estímulo ao estabelecimento de canais de denúncia para os colaboradores, os fornecedores e a comunidade. Referido canal de denúncia deve ser sigiloso, e possuir um fluxo de atendimento e de resposta públicos e no prazo nele estabelecido; b) garantia de condições de trabalho dignas para seus recursos humanos, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada e em condições de liberdade, equidade e segurança, com estímulo à observância desse objetivo pelas empresas; c) combate à discriminação nas relações de trabalho e promoção da valorização da diversidade; d) promoção e apoio às medidas de inclusão e de não discriminação, com criação de programas de incentivos para contratação de grupos vulneráveis; e) estímulo à negociação permanente sobre as condições de trabalho e a resolução de conflitos, a fim de evitar litígios; e f) estímulo à adoção de códigos de condutas em direitos humanos pelas empresas com as quais estabeleça negócios ou atue em parceria, com estímulo do respeito aos direitos humanos nas relações comerciais e de investimentos estatais.
O Comitê de Acompanhamento e Monitoramento das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, o qual ainda será criado no âmbito do recém-criado Ministério dos Direitos Humanos, será o responsável pela criação de um plano anual que visará tornar realidade as supracitadas diretrizes. Vale observar que o Plano Anual ainda não foi oficialmente divulgado, e tampouco existe prazo para a sua respectiva publicação, quando os empregadores poderão conhecer os critérios de avaliação de cumprimento das metas.
De qualquer modo, o Plano Anual atribuirá obrigações aos empregadores relacionadas à defesa e promoção de um padrão internacionalmente aceito de relações trabalhistas. Dentre os principais deveres, destacam-se: a) utilizar mecanismos de educação, de conscientização e de treinamento, tais como cursos, palestras e avaliações de aprendizagem, para que seus dirigentes, empregados, colaboradores, distribuidores, parceiros comerciais e terceiros conheçam os valores, as normas e as políticas da empresa e conheçam seu papel para o sucesso dos programas; b) redigir código de conduta publicamente acessível, aprovado pela alta administração da empresa, que conterá os seus engajamentos e as suas políticas de implementação dos direitos humanos na atividade empresarial; c) comunicar internamente que seus colaboradores estão proibidos de adotarem práticas que violem os direitos humanos, sob pena de sanções internas; d) orientar os colaboradores, os empregados e as pessoas vinculadas à sociedade empresária a adotarem postura respeitosa, amistosa e em observância aos direitos humanos; e e) dispor de estrutura de governança para assegurar a implementação efetiva dos compromissos e das políticas relativas aos direitos humanos.
A principal inovação trazida pelo Decreto nº 9.571/2018 diz respeito à implantação e reforço de Linha Ética. Com efeito, as empresas que desejarem cumprir o Plano Anual deverão, entre outras medidas, instituir mecanismos de denúncia, apuração e medidas corretivas, assegurados o sigilo e o anonimato aos denunciantes de boa-fé, de modo que tais instrumentos estejam acessíveis a colaboradores, fornecedores, parceiros e comunidade de entorno e sejam transparentes, imparciais e aptos a tratar de questões que envolvam ameaças aos direitos humanos, além de terem fluxos e prazos para a resposta previamente estabelecidos e amplamente divulgados.
A bem-sucedida adoção da Linha Ética, de modo a responder de maneira eficiente e tempestiva as queixas apresentadas pelos empregados, relativas a conflitos interpessoais que possam surgir no ambiente de trabalho, certamente auxiliará a empresa em investigações iniciadas tanto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) quanto pelo antigo Ministério do Trabalho (cuja extinção ainda é objeto de questionamento perante o Supremo Tribunal Federal) a respeito de prática de assédio no ambiente de trabalho, e abuso do poder diretivo do empregador.
A observância do Plano Anual que eventualmente será criado pelo Governo Federal será voluntária por parte das empresas-alvo do programa. Tais empresas, se aceitarem implementar o programa, e após serem devidamente avaliadas pelo Ministério dos Direitos Humanos, receberão o Selo governamental “Empresa e Direitos Humanos” o qual, vale a pena observar, ainda se encontra em fase de elaboração opor parte do Governo Federal.
Para que tal projeto venha a ser realmente adotado de maneira bem-sucedida e generalizada, como verdadeira política de Estado, será fundamental que o novo governo federal estabeleça um conjunto nítido de benefícios, de caráter não necessariamente financeiro, que poderão ser concedidos às empresas que optarem por aderir ao programa e cumprirem suas regras.
Essas são as primeiras reflexões a respeito de uma proposta feita pelo Poder Público, no intuito de reforçar o valor de um ambiente de trabalho seguro, livre de assédio e plural, na realização das atividades empresariais. Em uma época em que tristes eventos ocorridos recentemente no país convidam todos a refletir a respeito da responsabilidade das empresas perante seu público em geral: consumidores, fornecedores, empregados e comunidade, as empresas que aceitarem o desafio de valorizar o fator humano, certamente estarão à frente na estrada do desenvolvimento sustentável de sua atividade corporativa.