Breves ponderações sobre a Medida Provisória que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica
Em 30.4.2019 foi editada pelo governo federal a Medida Provisória nº 881 instituindo a declaração de direitos de liberdade econômica e que, no artigo 1º, estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica.
Pelo texto legal, restaram configurados como princípios da nova declaração de direitos a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, a presunção de boa-fé do particular e a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.
Segundo os proponentes do texto da Medida Provisória, dentre eles o Ministro da Justiça e Segurança Pública, diferentemente das anteriores medidas de prestígio às garantias de livre mercado, a declaração de direito busca, ao invés de uma simples medida de desburocratização, “empoderar o Particular e expandir sua proteção contra a intervenção estatal.”
Embora a maioria dos princípios incluídos na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica já estivessem previstos na Constituição Federal, é certo que o novo texto legal busca dar maior concretude a tais princípios.
É o que se verifica, a título exemplificativo, quando a chamada MP da Liberdade Econômica dispõe ser direito de toda pessoa, natural ou jurídica, produzir, empregar e gerar renda, assegurada a liberdade para desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, desde que respeitadas as normas ambientais e trabalhistas, por exemplo.
Referida estipulação é um reflexo direto dos princípios da livre concorrência e do livre exercício da atividade econômica, previstos no artigo 170 da Constituição Federal, o que denota a tendência da Medida Provisória.
Inclusive, foi expressamente declarado na exposição de motivos da edição da MP que “respeitado o sossego e as normas de vizinhança, e já tendo a garantia dos intervalos de trabalho conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não é razoável que o Estado impeça que um empreendedor se restrinja a horários e dias específicos.”
Em termos práticos, acredita-se que a MP da Liberdade Econômica se trate de mais um instrumento lançado pelo Governo Federal na tentativa de destravar a economia brasileira, especialmente levando-se em consideração o imenso número de desempregados que não tem condições de contribuir efetivamente com a economia do país.
Além de ter delineado uma série de direitos que visam ao desenvolvimento e ao crescimento econômico do País, a Medida Provisória nº 881 alterou dispositivos legais de diversas legislações, dentre elas, o Código Civil (Lei nº 10.406/02), a Lei de Sociedade por Ações (Lei nº 6.404/76) e a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/09).
Uma das alterações realizadas no Código Civil que merece destaque é a tentativa de restringir as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, ao pré-determinar o que se entende por desvio de finalidade e confusão patrimonial, noções que antes ficavam a cargo do Poder Judiciário.
Esta mudança visa resguardar os interesses dos sócios das empresas e fortalecer a questão da responsabilidade limitada destes. Até por conta disso, também foram incluídas disposições relativas às EIRELIS (art. 980-A, §7º – somente o patrimônio social da EIRELI responderá pelas dívidas), a fundos de investimentos (art. 1368-C, 1368-D e 1.368-E – que tratam da limitação da responsabilidade dos cotistas dos fundos de investimentos), e também acerca dos efeitos da falência, que agora sua extensão somente se dará quando previstos os requisitos para desconsideração da personalidade jurídica.
Ainda, foram alterados dispositivos relacionados à teoria geral de contratos, em especial os conceitos e institutos da função social do contrato, interpretação das cláusulas em contratos por adesão e da resolução da onerosidade excessiva.
A título exemplificativo, foi incluído um parágrafo único no artigo 421 do Código Civil – que trata justamente da função social do contrato – determinando que “nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional”.
Com efeito, a função social do contrato é amplamente utilizada pela jurisprudência em discussões relativas a contratos empresariais, de modo que as soluções que vêm sendo dadas poderão ser impactadas pelas alterações promovidas pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, a depender de sua aceitação pelo Poder Judiciário.
Do mesmo modo, verifica-se que a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica pode ser um primeiro passo na retomada do fortalecimento da autonomia da vontade, que acabou sendo mitigada nos últimos anos, especialmente pelo Poder Judiciário.
Dentro deste contexto, percebe-se que o princípio da intervenção mínima, nos exatos termos do novo texto legal, será de observância necessária pelo Poder Judiciário, o que certamente ensejará uma profunda reflexão e estudo da matéria.
Por fim, deve-se também atentar para como o Congresso Nacional reagirá aos termos expostos na Medida Provisória nº 881. É que nos termos do artigo 62, §3º da Constituição Federal, a medida provisória perderá eficácia se, no prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis uma única vez por igual período, não for convertida em lei.
Somente após a conversão, ou não, em lei da Medida Provisória nº 881, é que poderemos aferir com certeza os efetivos impactos da instituição da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.