Aprendizagem em tempos de home office
O rápido avanço da pandemia e a necessidade de driblar o distanciamento social fizeram com que as empresas e lojas de todos os seguimentos realizassem a transição das atividades para o sistema de teletrabalho, popularmente conhecido como: home office.
Após quase um ano de distanciamento, uma nova ótica sobre as condições de trabalho foi descoberta, vez que as empresas estão adotando medidas cada vez mais radicais para a continuidade do trabalho à distância, demonstradas as vantagens dessa modalidade. Dentre os ganhos do teletrabalho, entre outros, é possível destacar a redução de custos, facilidade de contratação de empregados em qualquer lugar, maior autonomia e flexibilidade de horários, tempo gasto com deslocamento, menor exposição à riscos, além do tempo de lazer.
Demonstradas as vantagens da modalidade do home office, há empresas que também migraram para o modelo híbrido de trabalho, alternando o trabalho remoto e presencial. Outras empresas optaram pela integralidade das atividades na forma telepresencial, demonstrando que o sistema imposto pela pandemia ganhou espaço nos dias atuais, devendo ser incrementado cada dia mais pelas empresas.
No período do mês de novembro de 2020, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)[1] constatou 7,9 milhões de pessoas no Brasil trabalhando de forma remota. Ademais, conforme pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)[2], 22,7% das profissões brasileiras podem ser realizadas na modalidade de teletrabalho, o que incentiva a abolição das dependências físicas das empresas. Tal fato colocaria o Brasil na 45ª posição mundial e no 2º lugar no ranking de trabalho remoto da América Latina.
A partir desse momento, é notória a relativização das atividades presenciais, ao passo que as empresas, cada vez mais, tendem a adotar medidas para encontrar um equilíbrio entre as modalidades de trabalho, ou completa transição para o teletrabalho.
No que se refere aos aprendizes, deve-se ter um zelo específico para que seja garantido sucesso do programa de formação técnico-profissional, ainda que no sistema híbrido ou remoto, tendo em vista que ocorrerão fiscalizações e as empresas deverão apresentar todas as medidas realizadas para atingir o resultado neste trabalho. Nesse sentido, em 1º de dezembro de 2020, o Ministério da Economia (extinto Ministério do Trabalho) autorizou a execução das atividades teóricas e práticas dos programas de aprendizagem profissional na modalidade à distância até 30 de junho de 2021[3].
Ultrapassado o período permissivo de execução das atividades à distância, como as empresas poderão seguir com o programa de aprendizagem dada eventual impossibilidade de execução presencial? A princípio, deve-se destacar que não há legislação específica para regulamentação do programa de aprendizagem realizado de forma remota, o que demanda interpretação do conjunto de diplomas legais que abordem do tema.
Apesar de existir expectativa para que, até o primeiro semestre de 2021, o Ministério da Economia prorrogue (de forma temporária ou definitiva) a autorização para continuidade da prática das atividades de forma remota para além de 1º de julho de 2021, importante considerar todos os cenários existentes para proteção e devido cumprimento das cotas de aprendizes quando da fiscalização pelo órgão competente.
Assim, a atual legislação possibilita que as atividades práticas, em regra, sejam concedidas dentro da própria empresa ou dentro da entidade formadora do programa de aprendizes. Contudo, há a possibilidade de ampliação dos locais de aprendizagem, por meio do qual a empresa deverá requerer o modelo alternativo para cumprimento da cota para que seja permitida que a realização das atividades práticas seja realizada dentro entidade concedente da parte da prática (Órgãos Públicos, Entidades sem fins lucrativos, sociedades cooperativas, organizações religiosas, dentre outros) [4].
Nesse sentido, as empresas que possuem respaldo para requerer a modalidade alternativa do cumprimento de cotas são: (i) asseio e conservação; (ii) segurança privada; (iii) transporte de carga ou valores; (iv) transporte coletivo, (v) construção presada; (vi) limpeza urbana; (vii) transporte aquaviário e marítimo; (viii) agropecuária; (ix) terceirização de serviços; (x) telemarketing; (xi) comercialização de combustíveis e (xii) atividades previstas na lista das piores formas de trabalho infantil.[5]
Também passível de requerimento pelo modelo alternativo estão as empresas que demonstrem a existência de embaraço à realização das aulas práticas. Para tanto, deve-se requerer e formalizar a adoção de modelo alternativo para cumprimento da cota de aprendizes ao Setor de Inspeção do Trabalho da unidade descentralizada do Ministério da Economia por meio de assinatura do Termo de Compromisso com justificativa da impossibilidade de contratação do modelo tradicional, o qual entende-se poder ser aplicado analogicamente quando da inexistência de espaço físico da empresa que impossibilite a prática de atividades presenciais, de modo a viabilizar a realização da prática do programa de forma remota[6].
Por fim, na ausência de manifestação pelo Ministério da Economia para prorrogação da atuação remota e não sendo possível a solução do tema pela via administrativa, a empresa poderá pensar em adotar medida judicial para garantir que a parte prática da aprendizagem continue a ser realizada remotamente após 1 de julho de 2020. Para tanto, o empregador deverá demonstrar, em sede de tutela de urgência, a imposição do trabalho telepresencial e necessidade de cumprimento da cota de aprendizes.
A análise abordada nos leva a questionar se não está no momento de alterar a Lei de Aprendizagem para que alcance todos os avanços sociais, possibilitando a isonomia entre todos os trabalhadores, independentemente da modalidade de trabalho, bem como a garantia dos direitos sociais e trabalhistas reconhecidos na Constituição Federal.[7]
[1] https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/trabalho.php
[2] https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35648
[3] Cf. Portaria 24.471/2021, de 1 de dezembro de 2020, cujo artigo primeiro estabelece: “Art. 1º Fica autorizada, de forma excepcional, a execução das atividades teóricas e práticas dos programas de aprendizagem profissional, conforme disposto no art. 428 do Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, na modalidade à distância, até 30 de junho de 2021”.
[4] Cf. Decreto 9.579/18. “Art. 65. As aulas práticas poderão ocorrer na própria entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica ou no estabelecimento contratante ou concedente da experiência prática do aprendiz.”
[5] Cf. Portaria 693, de 23 de maio de 2017 do Ministério da Economia.
[6] Cf. Decreto 9.579/18. “Art. 66. O estabelecimento contratante cujas peculiaridades da atividade ou dos locais de trabalho constituam embaraço à realização das aulas práticas, além de poder ministrá-las exclusivamente nas entidades qualificadas em formação técnico profissional, poderá requerer junto à unidade descentralizada do Ministério do Trabalho a assinatura de termo de compromisso para o cumprimento da cota em entidade concedente da experiência prática do aprendiz.”
[7] Artigos 428 e seguintes da CLT e artigos 5º, 6º, 7º e 8º da Constituição Federal.