Fusões e Aquisições no Agronegócio: Cautelas Jurídico-Trabalhistas
Em 2020 o agronegócio foi um dos poucos setores a apresentar resultados positivos, liderando o ranking nacional, mesmo em meio à pandemia. A agricultura foi uma área que gerou muitos empregos, segregados entre as atividades de produção de lavouras permanentes e temporárias, além das atividades de apoio ao setor. Esses resultados positivos também são esperados para o ano de 2021[1].
A contínua alta demanda, tanto no mercado interno quanto internacional, por produtos e insumos agropecuários, cria interessantes oportunidades de negócio para todos os elos da cadeia do agronegócio, conforme será exemplificado na sequência.
Para as empresas distribuidoras de produtos agrícolas se verifica um cenário de concentração de empresas. Como consequência, há menor exclusividade de prateleira e maior complexidade no gerenciamento dos estoques. Verificam-se também outros desafios, tais como profissionalização na gestão do negócio, sucessão empresarial, novos entrantes internacionais e diversificação das soluções oferecidas aos clientes, com serviços de agricultura de precisão, consultoria e outras formas de agregação de valor[2].
Nesse sentido, as distribuidoras começam a desenvolver projetos tais como a prestação de serviços agronômicos – recomendações técnicas, agricultura de precisão e auxílio na aplicação correta dos produtos comercializados.
Outrossim, elas também procuram fornecer serviços de armazenamento e transporte para produtores e fornecedores, oferecem fontes alternativas de financiamento aos produtores, novas tecnologias digitais e sensores para maior comodidade no manejo e gestão do agronegócio, e ainda, novas opções de fazer negócios aos produtores, como por exemplo compras de defensivos online ou por meio de aplicativos.
Nesse sentindo as indústrias investem em revendas como forma de garantir mínimo controle sobre o espaço de prateleira e acesso ao mercado e ao agricultor, mantendo o equilíbrio nas relações entre a indústria, o canal de distribuição de insumos e os produtores, permitindo o desenvolvimento do agronegócio brasileiro a longo prazo.
O grande volume das operações de fusões e aquisições em empresas do agronegócio por um lado pode aprimorar a sinergia entre todas as partes envolvidas e favorecer o desenvolvimento do setor como um todo a longo prazo. Não obstante, fusões e aquisições conduzidas sem a devida cautela jurídica podem expor as empresas a importante contingência jurídica na esfera trabalhista, a qual poderá impactar negativamente o negócio por um longo período de tempo.
Para tanto, a realização de auditoria jurídica antes da conclusão do negócio é altamente recomendável. Com base na premissa de que o vendedor divulgará da maneira transparente e ampla os seus dados durante a fase de auditoria jurídica, os pontos abaixo, relacionados às rotinas trabalhistas, merecem especial atenção por parte do comprador.
O primeiro ponto diz respeito ao pagamento de remuneração variável aos empregados em geral, com ênfase nas áreas de vendas e comercial, que costumam praticar com frequência esse tipo de estrutura.
Nesse sentido, o comprador deve verificar se a estrutura de remuneração variável, que pode assumir a forma de Programa de Participação nos Lucros ou Resultados (PLR), comissões sobre vendas e/ou prêmios, está devidamente formalizada por escrito, e se respeita integralmente as normas que a regulamentam, principalmente no que se refere à tributação do valor recebido, evitando surpresa futura sobre a remuneração dos empregados.
Uma vez que o comprador adquirirá a empresa alvo, a qual continuará a existir juridicamente, ele será solidariamente responsável pelas suas obrigações e passivos trabalhistas. Assim, o pagamento de remuneração variável, qualquer que seja a sua estrutura, fora do respectivo padrão legal ou habitual, poderá expor o comprador a importante contingência, na hipótese de fiscalização administrativa ou em caso de reclamação trabalhista procedente, no que se refere ao pagamento de diferença de salário e reflexos em verbas trabalhistas, fundiárias e tributárias.
O segundo aspecto que deve ser verificado durante a auditoria jurídica se refere à forma de contratação da mão-de-obra. A partir dessa premissa, uma série de providências podem ser adotadas, dentre as quais ressalta-se garantir que todos os empregados CLT estejam devidamente registrados e vinculados ao CNPJ do local onde prestam serviços e confirmar se os contratos com estagiários, aprendizes e diretores estatutários não-empregados estão formalizados por escrito.
Ainda no que tange a formas de contratação, durante a auditoria legal o comprador pode verificar que empregados assinaram contratos paralelos com o empregador, tais como contratos de representação comercial, com o objetivo de receber remuneração variável fora da folha de pagamento e com tratamento tributário mais favorável, fato que não está conforme a legislação trabalhista. Para mitigar o risco de materialização de contingência jurídica, o comprador deve apurar se os empregados CLT celebraram algum contrato paralelo com o empregador, e de que tipo de contrato se trata, o qual deve ser assinado com a pessoa física do empregado, e fazer referência à relação empregatícia mantida entre as partes.
Terceiro tema que merece ser destacado diz respeito à representação sindical tanto da empresa que será vendida, como dos seus trabalhadores. Tendo em vista que no Brasil a representação sindical de empregadores e trabalhadores é obrigatória e decorre de lei, durante a auditoria jurídica vale a pena verificar se o enquadramento sindical da empresa alvo tem sido corretamente realizado, e se a aplicação da norma coletiva de trabalho tem sido adequadamente praticada[3].
Ressalte-se que o trabalho rural possui legislação específica em relação a jornada de trabalho (horas in itinere, horário noturno, valor do adicional noturno), saúde e segurança ocupacional (com Normas Regulamentadoras Rurais emitidas pelo Ministério da Economia) e formas de contrato específicas, como contrato de safrista e contrato intermitente. Esses temas, específicos ao meio rural, também merecem ser revisados durante a auditoria jurídica.
A identificação de pontos de não-conformidade durante o procedimento de auditoria jurídica não necessariamente impossibilitará o fechamento do negócio. Nesse cenário, após terem quantificado da forma mais precisa possível o valor do potencial passivo vislumbrado, as partes poderão ajustar o preço da venda, bem como parcelar o pagamento de maneira que o valor de uma ou mais parcelas sirva como garantia caso processos administrativos e judiciais se materializarem em razão das contingências identificadas.
[1] Disponível em: https://vempradome.com.br/blog/agronegocio-em-2021/#:~:text=O%20aumento%20do%20PIB%20e,%24%20903%20bilh%C3%B5es%2C%20em%202021. Acesso em 30 abr. 2021.
[2] Considerando o total do mercado distribuição (revendas + coperativas) brasileiro, 6,2 bilhões de dólares em 2017, cerca de 80 distribuidores concentram 60% do mercado total de defensivos para soja e milho. Disponível em: http://www.agrodistribuidor.com.br/publicacao.php?id_item=510 . Acesso em 30 abr.2021.
[3] Cf. artigo 8º da Constituição Federal.