Indenização por Danos Morais e Visitas Paraquedas
A indústria farmacêutica possui profissionais especializados na divulgação de seus medicamentos, os quais são denominados propagandistas, sendo normalmente divididos tanto por linha de medicamento – oncologia, diabetes, doenças raras, entre outras – como também por região.
O objetivo dos empregados que atuam como propagandistas é expor aos médicos os detalhes do medicamento, tais como composição, métodos de prescrição, pacientes alvo, índice de sucesso no tratamento, de forma que, ao explorar melhor a temática, o profissional da saúde passe a prescrever, se assim quiser, o remédio aos seus pacientes.
Pois bem. Diante do fato de que o propagandista é um empregado cujo trabalho é externo[1] – já que a principal atividade realmente é a propaganda dos produtos da empresa farmacêutica, há discussão sobre a possibilidade de o gestor, por livre iniciativa, adotar a prática da denominada visita paraquedas, jargão bastante comum no ramo farmacêutico que significa que o superior hierárquico do propagandista comparece, sem qualquer prévio aviso, ao local onde a visita do propagandista deve realizada.
Na prática, a visita paraquedas se traduz como um evento surpresa, que consiste no comparecimento repentino do superior hierárquico do propagandista, para efetivamente fiscalizar o trabalho, tanto o cumprimento da sua agenda, como também o método utilizado para realizar a propaganda do produto farmacêutico. Diante dessa prática, há discussão sobre a sua validade, eis que existe uma dicotomia entre a fiscalização do trabalho e a autonomia do propagandista, por realizar trabalho externo.
Embora a legislação autorize poder diretivo do empregador em fiscalizar o cumprimento do trabalho do empregado, a justiça do trabalho pode entender que a visita paraquedas não se justifica por si só, eis que configura uma extrapolação ao referido poder diretivo, na medida em que há elemento surpresa, que implica em constrangimento do empregado perante o profissional da saúde.
Isso porque, a visita paraquedas, além de prejudicar o relacionamento com os médicos, pode resultar no abalo emocional do empregado, uma vez que demonstra cabalmente o rompimento da fidúcia, elemento tão necessária para o desempenho das atividades, especialmente quando se está diante de um empregado com jornada externa de trabalho e, por consequência, sem controle de horário.
Sem dúvida, há outras formas de verificar se o empregado tem cumprido as suas obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Apenas a título exemplificativo, o empregador pode acompanhar o volume de vendas na região em que o propagandista atua, bem como pode agendar reunião para alinhamento de estratégias para impulsionar as propagandas dos medicamentos perante os profissionais da saúde atendidos.
Ora, embora não haja vedação expressa pela legislação aplicável, entende-se que as visitas paraquedas não se constitui método viável de fiscalização já que, como exposto acima, tal pratica tende a constranger o empregado, bem como estremecer a relação do propagandista com o profissional de saúde. Vale reiterar que o propagandista, geralmente, possui plena autonomia para a organização de sua agenda de visitas, motivo pelo qual ele pode alterar seus compromissos sem a necessidade de aprovação do seu superior hierárquico, justamente porque suas atividades são enquadradas como trabalhador externo.
De fato, a prática da visita paraquedas constrange o empregado e repercute diretamente em sua imagem, na medida em que é diminuído e exposto perante os médicos e demais profissionais de seu roteiro, uma vez que demonstra, de forma cristalina, que seu comprometimento como profissional e suas habilidades estão sendo questionadas.
Tem sido bastante comum o pedido de indenização por danos morais em decorrência da prática de visita paraquedas. Muito embora o ônus da prova da existência da visita paraquedas seja do empregado[2], caso demonstrada, certamente ensejará na condenação da referida indenização por danos morais, de modo que, se a ofensa for considerada gravíssima, a indenização poderá alcançar o montante de cinquenta salários[3].
Para além da possibilidade de reconhecimento de danos morais, cria-se um outro problema: o propagandista poderá distribuir ação trabalhista, por meio da qual pretenda, também, o reconhecimento de horas extras e reflexos, na medida em que a sua jornada era efetivamente controlada, justamente por meio das visitas paraquedas realizadas.
Assim, é extremamente importante que as empresas, sobretudo as indústrias farmacêuticas em que a prática das visitas paraquedas ainda é uma realidade, possuam políticas de boa governança corporativa, com a implementação de programas de integridade e código de conduta, capacitando seus gestores para agirem de forma ética, transparente e cortês.
Portanto, caso o gestor queira se inteirar como o trabalho do propagandista está sendo desenvolvido, sugere-se que ao invés da realização da visita paraquedas, haja o agendamento prévio para que o roteiro a ser cumprido pelo propagandista seja feito em conjunto, evitando-se, assim, o elemento surpresa. Neste sentido, não é demais ressaltar que gestores alinhados à cultura da companhia auxiliam na diminuição do passivo trabalhista, uma vez que evitam qualquer situação que possa constranger ou denegrir a imagem de seus empregados.
[1] Artigo 62, inciso I da Consolidação das Leis do Trabalho: “os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados.”
[2] Artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho: “o ônus da prova incumbe: I- ao reclamante, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II- ao reclamado, quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante”.
[3] Artigo 223-G 1º, IV da Consolidação das Leis do Trabalho: “Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.”