Jornada de Trabalho durante o Home Office – Atenções Necessárias para Evitar Problemas Futuros
Uma das medidas protetivas contra a pandemia mundial é o isolamento social, sendo esse um dos meios mais recomendados para se evitar a propagação do vírus. Muitos empregadores, seguindo recomendações da OMS e do próprio Poder Público, optaram por estabelecer o home office àqueles empregados cujas atividades sejam compatíveis com essa modalidade.
Essa alteração, inclusive, foi flexibilizada pela Medida Provisória (“MP”) 927/2020, a qual reduziu a burocracia e prazos para a transição, ante o estado de calamidade vivido, com foco claro na proteção do empregado e da sociedade em si.
Neste contexto de mudança, a mencionada MP[1] reforçou um dispositivo já presente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [2], no sentido de que o trabalhador em home office, pela incompatibilidade no controle de jornada pelo empregador, não está sujeito ao controle de jornada e, consequentemente, ao recebimento de horas extras.
Muito embora o texto legal seja claro em afastar as horas extras no cenário acima, não raras são as decisões, na Justiça do Trabalho, que concluem pelo pagamento destas, seja porque o empregador efetivamente controlava a jornada, seja porque havia meios remotos/eletrônicos que possibilitavam a apuração das horas trabalhadas.
Neste sentido, em recente decisão proferida no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região [3], uma empregada que laborava em home office teve direto ao recebimento de horas extras, pois os Desembargadores entenderam que havia possibilidade de controle da jornada mediante registros de login e logoff do sistema utilizado pela empresa.
Assim, um olhar mais atento para a questão da jornada, fica nítido que essa mudança causada pelo cenário pandêmico tem potencial para gerar discussões futuras. Isto porque, aquele empregado que, antes da mudança, tinha regular controle de jornada e recebia horas extras, passará a não mais recebe-las, somente pelo fato de, agora, estar trabalhando em sua casa.
Caso a demanda tenha reduzido, por óbvio, não há qualquer queixa aparente. O problema estará nas hipóteses em que a demanda se manteve ou, por vezes, até aumentou. Resta, neste último caso (o qual tende a ser muito comum), uma aparente celeuma entre o direito a horas extras do empregado e a ausência do controle de jornada ante o recente e, por vezes compulsório, home office.
Importante se atentar a uma peculiaridade: a mudança do posto de trabalho presencial ao home office em decorrência do estado de calamidade indica apenas uma situação transitória, muitas vezes não permitindo uma organização tanto do empregado, quanto da empresa, para a adaptação de suas tarefas para essa nova modalidade.
Percebe-se, portanto, a necessidade de um resguardo adicional, mediante instituição de procedimento interno e/ou aditivo contratual, para instituir regras claras sobre a jornada, de modo a conferir/registrar a liberdade ao empregado em exercer sua jornada contratual sem efetivo controle ou, caso essa liberdade seja incompatível com suas obrigações, estabelecer regras de controle para apuração de eventuais horas extras.
Como sugestão prática, àqueles que demandem algum controle, percebe-se muitas empresas que estabelecem a possibilidade de horas extras somente com aprovação expressa do Superior direto, mediante correta justificativa e detalhamento do trabalho realizado.
Estas medidas cautelares refletem proteção a todos envolvidos. Aos empregados, garantirá que, no caso de eventuais horas extras, sejam essas quitadas. Aos empregadores, vetará eventual abuso de empregado que, na liberdade do seu lar, postergue o trabalho para além da sua jornada contratual ou, ainda, tenha sua produtividade afetada por distrações inerentes à liberdade de estar em casa.
[1] § 1º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. § 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.
[2] Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: III – os empregados em regime de teletrabalho.
[3] “JORNADA PASSÍVEL DE CONTROLE. A reclamante tinha o horário controlado, quando executou trabalho interno, mas a reclamada não apresentou os controles e, considerando contava com mais de 10 empregados, era ônus seu o registro da jornada de trabalho, nos termos da súmula 338 do C. TST. Quando a reclamante laborou no sistema de home office restou claro a possibilidade da aferição da jornada, uma vez que quase todo o trabalho, dava-se através de sistema informatizado, o qual permitia saber o horário de logon e logoff do usuário. irreparável a sentença no que toca à fixação da jornada, com base no princípio da razoabilidade, inclusive aos feriados, que também está em harmonia com as atividades atribuídas à autora. O intervalo não era regularmente usufruído, justificando a condenação, na forma do § 4º do artigo 71 da CLT. Sobre os adicionais extraordinários, procede o apelo da autora, na forma do artigo 20, § 2º, da Lei 8.906/94, conforme recente precedente do TST.” (TRT-15 – RO: 00104458420155150042 0010445-84.2015.5.15.0042, Relator: ANA CLAUDIA TORRES VIANNA, 6ª Câmara, Data de Publicação: 21/05/2019)