Nova Lei de Licitação: Aspectos sobre a Alocação de Riscos e Contratação Integrada/Semi-Integrada
A Lei nº 14.133, que disciplina os processos licitatórios e os contratos administrativos, foi publicada e entrou em vigor em 1º de abril de 2021. Com quase 28 anos de vigência, a Lei nº 8.666/1993 será revogada a partir de 1º de abril de 2023. Desde a tramitação do projeto da nova lei, questionava-se se ela inovaria ou preservaria os institutos tradicionalmente previstos na Lei nº 8.666/1993.
A análise das disposições da nova Lei mostra, de um lado, um avanço comparado à Lei nº 8.666/1993 e, de outro, que este avanço não configura inovação substancial do sistema jurídico brasileiro, uma vez que o legislador incorpora, na “Nova Lei de Licitações e Contratos”, institutos já consagrados em leis especiais, por exemplo, na Lei de Pregão e Lei do Regime Diferenciado de Contratação (RDC). A título exemplificativo, destaca-se os seguintes dispositivos da nova Lei:
- O art. 17, § 1º prevê a possibilidade de inversão de fases mediante ato motivado com explicação dos benefícios decorrentes da antecipação da fase de habilitação frente às fases de apresentação de propostas e julgamento. Ao assim proceder, os legisladores incluíram, no âmbito da lei de licitações e contratos, aquilo que já era previsto na lei do pregão, RDC, entre outras.
- O art. 17, §2º dispõe que as licitações serão realizadas, preferencialmente, sob a forma eletrônica. Houve uma acentuada valorização do uso dos procedimentos eletrônicos, que se iniciou com o Decreto nº 10.024/2019 que regulamentou a modalidade pregão na forma eletrônica.
- No art. 75 que disciplina as hipóteses em que há dispensa de licitação, o legislador elencou hipóteses que se assemelham àquelas previstas no art. 29 da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016);
Comparado ao regime da Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 14.133 traz um aperfeiçoamento, ainda que tímido, do regramento de licitações e contratos, já que uniformiza a até então fragmentada legislação brasileira acerca do tema.
A nova Lei trouxe algumas novidades que trataremos nesse artigo e em um segundo que será publicado em seguida, os quais, contudo, não pretendem abordar todos os aspectos inovadores da Lei nº 14.133/2021.
PROJETO EXECUTIVO COMO REQUISITO OBRIGATÓRIO
Um dos principais problemas enfrentados nas licitações é a baixa qualidade dos projetos básicos e executivos, tendo em vista a ausência de planejamento de longo prazo e escassez de recursos públicos.
Em razão disso, é comum certames licitatórios com projetos falhos ou incompletos que acabam motivando a celebração de termos aditivos ao contrato, ou pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, pois, em alguns casos, a empresa Contratada acaba por arcar com custos adicionais e/ou consequências financeiras do aprimoramento do projeto deficiente.
Diante desse cenário, a Lei 14.133/21 estabelece que na fase preparatória do processo licitatório, a definição do objeto será por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso, bem como estabelece que a Administração Pública é dispensada da elaboração do projeto básico nos casos de contratação integrada ou semi-integrada (art. 18 c/c art. 46, §2º), que passa a ser obrigação do contratado.
Já o art. 46, § 1º, exige que a licitação seja promovida somente se os interessados tiverem a posse do projeto básico e executivo, ressalvada a hipótese prevista no art. 18, § 3º: quando o estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns demonstrar que inexiste prejuízo para aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados.
Desta forma, o legislador pretendeu inibir projetos falhos que acarretam custos extraordinários à Administração Pública, além de enfatizar o dever de a Administração Pública conhecer, minuciosamente, aquilo que está contratando.
MATRIZ DE RISCO
À época da Lei nº 8.666/1993, acreditava-se que a Administração Pública contratante dispunha de todas as informações necessárias e suficientes para a definição do objeto e cláusulas contratuais.
Com o tempo, observou-se que referida premissa não era absoluta, tornando-se imprescindível a criação da ideia de matriz de risco, de modo que eventos futuros e incertos possam ser expectados e, por conseguinte, seja definida a parte (Contratante ou Contratado) que reúne melhor condição para assumir o risco e assegurar que o contrato seja executado com eficiência.
No tocante ao tema, a nova Lei torna necessária a avaliação prévia do risco. Veja-se:
“Art. 6º – XXVII – matriz de risco: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo as seguintes informações:
- Listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato que possam causar impacto em seu equilíbrio econômico-financeiro e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo por ocasião de sua ocorrência;
- No caso de obrigações de resultado, estabelecimento das frações do objeto com relação às quais haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico;
- No caso de obrigações de meio, estabelecimento preciso das frações do objeto com relação às quais não haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, devendo haver obrigação de aderência entre a execução e a solução predefinida no anteprojeto ou no projeto básico, consideradas as características do regime de execução no caso de obras e serviços de engenharia.”
Assim, ao prever a matriz de risco como cláusula contratual, o diploma legal oferece maior segurança jurídica para as partes contratantes, já que experiências com eventos passados poderão auxiliar na predefinição dos riscos e sua alocação; sendo certo que, nos casos de “obras e serviços de grande vulto ou que estiverem sendo adotados os regimes de contratação integrada ou semi-integrada”, a previsão da cláusula em questão é obrigatória (art. 22, §3º).
CONTRATAÇÃO INTEGRADA E SEMI-INTEGRADA
Outra novidade consiste na possibilidade da contratação integrada e semi-integrada pela Administração Pública. Neste aspecto, houve uma clara mudança de ponto de vista, pois, segundo a Lei nº 8.666/1993, o autor do projeto básico tinha que ser diferente daquele que fosse executar a obra (art. 7ª, §2º c/c art. 40, § 2º, I), sob pena de configurar crime (art. 9º, II c/c art. 90). A lógica por trás de tal norma era que a ausência dessa separação prejudicaria o caráter competitivo do certame.
Nesse caso, as possíveis falhas encontradas no projeto básico e executivo eram solucionadas por meio da assinatura de termos aditivos.
Em 2011, todavia, foi criado o Regime Diferenciado de Contratação – RDC (Lei nº 12.462/2011) que relegou ao ato convocatório a apresentação do anteprojeto e transferiu ao futuro contratado a elaboração do projeto básico e executivo. Na lei do RDC a celebração de termos aditivos foi proibida (art. 9º, §4º), salvo nas hipóteses de caso fortuito e força maior (inciso I) e necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado (inciso II).
Evidente o avanço trazido pela nova Lei ao incorporar a Lei do RDC e permitir a contratação integrada e semi-integrada de obras e serviços de engenharia.
Válido ressaltar que, na contratação integrada, os projetos básico e executivo são de responsabilidade do contratado. Por sua vez, na contratação semi-integrada, o contratado terá a responsabilidade de elaborar o projeto executivo .
Espera-se que através da contratação integrada ou semi-integrada haja uma redução dos pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro, na medida em que aquele que assumir a responsabilidade pela elaboração dos projetos básico e executivo levará consigo os riscos deles oriundos.
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Esses eram os aspectos que gostaríamos de dividir sobre a Lei 14.133, nessas breves linhas.
Na próxima semana abordaremos outros dois temas trazidos pelo novo diploma legal: o diálogo competitivo e seguro garantia.
BIBLIOGRAFIA
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RIBEIRO, Maurício Portugal. A proposta de usar “performance bond” como critério de seleção em licitações de obras públicas. Disponível em: https://portugalribeiro.com.br/a-proposta-de-usar-performance-bond-como-criterio-de-selecao-em-licitacoes-de-obras-publicas/, último acesso em 24.03.2021.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A nova Lei de Licitações: um museu de novidades? Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/rafael-carvalho-rezende-oliveira/a-nova-lei-de-licitacoes-um-museu-de-novidades, último acesso em 24.03.2021.
KIRBY, Mark. O Diálogo Concorrencial. I. GONÇALVES, Pedro Costa [Org.]. Estudos de Contratação Pública. Coimbra: Coimbra. Ed. 2008, v.1, p. 278-279.
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