Artigos em Série: As principais alterações na Lei de Recuperação Judicial
Tema 3: Situação dos créditos fazendários e DIP Financing
Nas duas últimas semanas comentamos as alterações da Lei de Recuperação Judicial e Falência no tocante ao sistema de pré-insolvênci, stay period, plano de recuperação judicial dos credores e consolidação processual e substancial.
Nesse artigo daremos seguimento à análise das principais alterações na legislação do direito de insolvência, abordando os créditos fazendários e uma nova modalidade de recuperação da empresa: o DIP financing.
A situação dos créditos fazendários
Especificamente no procedimento de falência, a Lei assegura à Fazenda Pública o direito de restituição “relativamente a tributos passíveis de retenção na fonte, descontos de terceiro ou sub-rogação, e a valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres públicos”.
A LRJF passa a prever, expressamente, a possibilidade de a Fazenda Pública ajuizar pedido de restituição com fundamento em tributos que deixou de receber.
Em efeitos práticos, o crédito tributário deixará de figurar no terceiro lugar na ordem de pagamentos, e os demais créditos fiscais, como as multas, no sétimo lugar, passando os créditos do fisco ao primeiro lugar, antes mesmo dos credores trabalhistas.
A grande crítica à esta alteração consiste no super privilégio conferido aos créditos fazendários na liquidação de ativos, que passarão a figurar como a primeira classe no recebimento, acarretando no prejuízo da classe I dos trabalhadores e, subsequentemente, todos os demais credores.
Além disso, acrescentou-se no art. 73, que trata das hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência, os incisos V e VI, igualmente favoráveis ao crédito fiscal, cujas situações são: “por descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68 desta Lei ou da transação prevista no art. 10-C da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002;” e “quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas”.
Nesse particular, cabe ressaltar que a previsão pode ter um efeito adverso perigoso. Isso porque, como se sabe, o agente público deve atuar em estrita consonância com o que determina a lei. Logo, o pedido de convolação em falência não poderá ser uma faculdade do procurador da fazenda, mas sim uma obrigação. Nesse sentido, portanto, é que se salienta que a legitimação dada pela Lei à procuradoria para o pedido de falência poderá abrir uma caixa de pandora.
Outrossim, a Lei alterou o art. 10-A na Lei nº 10.522, prevendo condições mais favoráveis de parcelamento, e ainda previu a possibilidade de transação tributária no § 1º-A, na esteira da Lei 13.998/2020 que regula a transação tributária.
Por fim, cabe mencionar a discussão acerca da apresentação da CND (certidão negativa de débitos). Em que pese a jurisprudência do e. STJ[1] entenda pela dispensa de apresentação das certidões para a concessão da recuperação judicial (at. 57 da LRJF), fato é que tal entendimento não foi adotado na Lei.
Vale dizer, foi mantido o artigo 57 em seus próprios termos, que justamente prevê que “após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários”.
Contudo, necessário apontar que a mitigação do referido artigo adotada pela jurisprudência é de suma importância e a Lei poderia ter oportunamente incorporado tal entendimento.
Como bem observado pela Ministra Nancy Andrighi, manter a exigência da apresentação da CND como requisito indispensável “acaba-se por obstruir indevidamente os fins almejados pelo princípio da preservação da empresa (corolário da função social da propriedade e fundamento da recuperação judicial) e os objetivos maiores do instituto recuperatório – viabilização da superação da crise, manutenção da fonte produtora e dos empregos dos trabalhadores”.
DIP (debtor-in-possession) Financing
O DIP Financing é uma modalidade de financiamento para empresa que se encontra em processo de recuperação judicial; uma ferramenta utilizada por parceiros ou investidores para proverem novos recursos a empresas que estejam passando por uma crise financeira passageira e superável, visando a manter sua operação e liquidez.
De acordo com esse tipo de financiamento, desenvolvido nos EUA, o crédito é o último que entra e o primeiro que sai[2]. A diferença entre o modelo americano e o adotado pela Lei é que aqui o DIP não prevê o priming, ou seja, não aceita que o financiador tenha preferência sobre credores com garantias originais. O DIP previsto na Lei tem seu foco nos bens livres da devedora.
Conforme a Lei, se autorizado pelo juiz, o devedor poderá firmar contratos de financiamento para tentar salvar a empresa da falência. E se a falência for decretada antes da liberação de todo o dinheiro do financiamento, o contrato será rescindido sem multas ou encargos (Art. 69-D).
Esse financiamento poderá ser garantido com bens da empresa, como maquinários e prédios, por meio de alienação fiduciária ou mesmo na forma de garantia secundária.
A Lei propõe como incentivo adicional àqueles que pretendam financiar a empresa em crise a possibilidade de constituição de garantia subordinada sobre ativos do devedor, limitada a eventual excesso resultante da alienação do ativo sobre o qual venha a recair a garantia original e desde que a garantia prioritária não seja alienação ou cessão fiduciária.
Em que pese existam críticas acerca do baixo incentivo concedido aos financiadores, fato é que que a positivação do DIP Financing trará maior segurança jurídica do financiador na recuperação judicial, além de possibilitar o soerguimento acelerado da empresa em crise. Ademais, o momento em que estamos vivenciando é o de pré-insolvência de muitas empresas (que as duras penas conseguiram sobreviver temporariamente e precisarão de recursos para seguir em atividade), onde o incentivo ao DIP terá importante papel a desempenhar.
[1] REsp 1.187.404, Terceira Turma, Ministra Relatora Nancy Andrighi, julgado em: 23.06.2020.
[2] Na expressão utilizada por Thomas Felsberg, no Seminário promovido pelo Migalhas “Novas Alterações na lei de Recuperações e Falências”, realizado em 18.12.2020, pela plataforma zoom.