Artigos em Série: As principais alterações na Lei de Recuperação Judicial
Tema 4: Venda total da devedora como meio de recuperação, insolvência transnacional e recuperação extrajudicial
Neste último artigo da série abordaremos a possibilidade de venda total da recuperanda, como meio de preservação da empresa, bem como a insolvência transnacional e, por fim, as alterações na recuperação extrajudicial.
Venda total da devedora como meio de recuperação
A venda integral da devedora passa a ser um dos meios de recuperação previstos no rol do artigo 50 da LRJF, desde que garantida aos credores não submetidos ou não aderentes, condições, no mínimo, semelhantes às que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada (art. 50, inciso XVIII).
Com efeito, a UPI de que trata o artigo 60 poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios (art. 60-A). Segundo a Lei, não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, aporte de novos recursos na devedora ou substituição dos administradores desta (art. 50, § 3º).
Insolvência transnacional
Após 15 anos de lacuna legislativa, o Brasil passa a regular os casos de insolvência transnacional, com base no texto da lei da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional – UNCITRAL, aprofundando a cooperação internacional e regulando a cooperação entre juízes e autoridades nacionais e estrangeiras, em caso de insolvência transnacional.
No decorrer dos anos a globalização permitiu que empresas passassem a atuar em diversos países, estabelecendo ali relações comerciais por meio das quais adquiriam bens e direitos, e ao mesmo tempo também contraiam dívidas. Referidos conglomerados econômicos, como não poderia deixar de ser, também estão sujeitos às graves crises econômicas, podendo culminar num procedimento recuperacional que exceda as fronteiras de um só país.
A título exemplificativo, cita-se o pedido de recuperação judicial da empresa OGX, empresa que atuava na área de exploração e produção de petróleo e gás natural, por meio do qual determinou-se que a recuperação judicial fosse feita conjuntamente pelas quatro empresas controladas pela holding, o que inclui as duas companhias sediadas na Áustria. Outro exemplo foi o da recuperação judicial da Oi que tinha processo de insolvência também na Holanda.
A Lei prevê que os juízes poderão estabelecer comunicação direta com autoridades estrangeiras ou com representantes estrangeiros, ou deles solicitar informação e assistência, sem a necessidade de expedição de cartas rogatórias, por exemplo.
Não bastasse, os credores estrangeiros poderão participar de processos de insolvência no Brasil em igualdade de condições.
Aqui é importante ressaltar que o princípio da soberania e o respeito às normas de ordem pública foram observados pela Lei.
Assim, na recuperação judicial em curso no Brasil, os bens aqui localizados irão atender aos credores brasileiros e os credores estrangeiros que venham aqui se habilitar de acordo com o princípio da igualdade entre credores (par conditio creditorum). Se, por exemplo, determinado credor estrangeiro possui, de acordo com as normas do seu país de origem, um crédito com preferência frente aos demais, mas pela lei brasileira sua classificação é de crédito quirografário, ele será pago nas mesmas condições dos demais credores quirografários.
No cenário interno, serão reconhecidos os processos estrangeiros relativos à insolvência, permitindo que os ativos do devedor localizados no Brasil e interesses dos credores sejam protegidos concomitantemente ao desenvolvimento do procedimento no exterior.
A medida é de grande valia, uma vez que regula a falência e a recuperação judicial de empresa que possui negócios em diversos países. Além de auxiliar a colaboração entre juízes, tais normas reduzem a chance de fraude internacional contra credores, bem como protegem o interesse de credores nacionais diante de credores estrangeiros e assegura maior segurança jurídica.
Alterações na recuperação extrajudicial
As alterações previstas na Lei devem estimular o uso do instrumento de recuperação extrajudicial, o que, acredita-se, reduzirá o crescente volume de recuperações judiciais e tornará ambos os procedimentos mais céleres, eficientes e inclusivos.
As modificações previstas visam alterar o quórum de adesão, que deixará de ser 3/5 e passará a ser 50%. O processo poderá começar com a assinatura de 1/3 das classes envolvidas, podendo a Recuperanda obter os 50% necessários no curso do processo, no prazo de 90 dias (art. 163, § 7º). Caso tal adesão adicional não seja obtida, a devedora poderá requerer a recuperação judicial.
Ademais, o artigo 163, § 8º prevê a possibilidade de stay period para atingir as classes envolvidas desde o pedido.
Nesta série de 4 artigos abordamos as principais alterações trazidas pela Lei 14.112/20, sem intenção de exaurir o tema. A Lei 14.112/20 visa garantir a segurança jurídica de credores e devedores, além da própria preservação da atividade em benefício do desenvolvimento econômico nacional.
Como visto, excetuadas algumas críticas, é certo que a Lei possui a louvável intenção de evoluir com a legislação pátria sobre insolvência, inclusive positivando diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais consolidados ao longo de mais de 15 anos de vigência da LRJF.
Veja os outros artigos desta série:
Tema 1: Sistema de pré-insolvência e Stay Period
Tema 2: Apresentação do Plano de Recuperação Judicial pelos Credores e Consolidação processual e substancial
Tema 3: Situação dos créditos fazendários e DIP Financing