Dever de Diligência em Tempos de Crise
Os administradores das sociedades empresariais se deparam diariamente com a necessidade de tomar decisões que impactam tanto na rotina como também no futuro da sociedade.
Neste contexto e considerando as características do mercado competitivo em que vivemos, não há dúvidas de que a administração de uma sociedade exige profissionalismo e conhecimento, de modo que os administradores precisam estar devidamente preparados para decidirem os rumos dos negócios.
Contudo, invariavelmente, como o administrador não detém todo o conhecimento necessário para entender os riscos que determinada decisão poderá acarretar à sociedade, é altamente aconselhável que o administrador se valha de pareceres e opiniões de especialistas, internos e externos, para melhor fundamentar a decisão que será tomada.
Além disso, é sempre importante lembrar que o administrador deve conduzir os negócios da empresa em benefício e proveito da própria, não podendo fazer ou deixar de fazer negócios em razão de convicções pessoais.
No entanto, no atual cenário de incertezas e dúvidas vivenciado pelo mundo inteiro, provocado pela pandemia da COVID-19, o administrador certamente irá se deparar com situações inéditas e que poderão impactar a sua tomada de decisões.
A título exemplificativo, como o administrador deve se posicionar com relação aos contratos de trabalho em época de quarentena e retração da economia? Os contratos de fornecimento de produtos e serviços, devem ser mantidos? Se faz necessária a contratação de empréstimos bancários? A relação com o Poder Público deverá ser a mesma?
Não fosse o suficiente as incertezas relacionadas aos temas jamais experimentadas pelas empresas, há também a característica da urgência com que, muitas vezes, a decisão precisa ser tomada e implementada pela sociedade.
Neste cenário, fica evidente que a questão da responsabilidade dos administradores merece ser analisada, tudo de maneira a se evitar questionamentos futuros.
De início, é valioso destacar que a legislação brasileira dispõe que o administrador pode ser exonerado de sua responsabilidade no cenário em que, mesmo que sua decisão tenha trazido prejuízos e se mostrado equivocada, ele tenha se cercado de todas as informações necessárias e relevantes para a tomada daquela decisão.
Vale dizer, caso o administrador tenha agido com todas as cautelas inerentes à sua atividade, bem como sempre visando ao interesse da empresa ele não poderá ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de sua decisão.
É exatamente essa a previsão contida no artigo 159, §6º da Lei nº 6.404/76 (“Lei das S/A”), que afirma que “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.”
Dando um passo adiante, em que pese o ordenamento jurídico brasileiro preveja determinados tipos diferentes de estrutura societária, os deveres dos administradores encontram-se previstos na Lei das S/A, mais especificamente nos artigos 153 a 157 daquela legislação. No entanto, deve-se ter em mente que o próprio estatuto/contrato social pode ainda prever outros deveres a serem observados, como vem sendo estabelecido pela edição de Códigos de Conduta das empresas.
Nesse sentido, pontua-se que os administradores, no exercício de suas funções, bem como em razão da competência prevista para o órgão da sociedade que integram, devem observar (i) o dever de diligência; (ii) o dever de lealdade, e; (iii) o dever de informar.
Em que pese todos os deveres sejam de obediência imperativa, em razão do contexto da pandemia da COVID-19, merece destaque o dever de diligência imposto aos administradores.
Pelo dever de diligência, espera-se que o administrador conduza os negócios da companhia como toda pessoa proba administra seu próprio negócio. Assim, considerando esse cenário, surge o dever do administrador tomar decisões munido de todas as informações necessárias para tanto.
Ainda no que se refere ao dever de diligência, ao administrador é vedado praticar ato de liberalidade à custa da empresa e sem autorização para tanto, ou ainda em proveito de si mesmo e, além disso, receber vantagem pessoal em razão de sua função.
Em última análise, percebe-se que o dever de diligência apresenta para o administrador um comando para que suas ações sejam sempre voltadas para o benefício da sociedade empresária.
Contudo, como já destacado, a pandemia da COVID-19 alterou as bases de negócios adotadas pelas empresas. Dito isso, em que pese a discricionariedade seja um elemento natural da tomada de decisões, certamente o dever de diligência deve ser ainda mais observado pelos administradores.
A bem da verdade, mesmo se tratando de um momento excepcional, referida circunstância não pode representar uma carta branca ou mesmo um salvo conduto ao administrador, para o fim de agir sem as cautelas necessárias, ainda que a decisão seja urgente e inédita.
Dentro deste cenário, tem-se observado que muitas empresas, a mando de seus administradores, buscam invocar a pandemia da COVID-19 para alterar contratos e relações jurídicas com fundamento no instituto da força maior. Nada obstante, é certo que tal expediente não pode ser utilizado indistintamente e, ainda mais importante, pode representar violação ao dever de diligência, já que uma decisão negocial genérica pode ser interpretada como contrária aos interesses da empresa.
Evidentemente, há um certo paradoxo entre a necessidade de se valer das cautelas inerentes ao cargo de administrador e, ao mesmo tempo, agir de forma rápida e eficaz para evitar danos à sociedade.
Todavia, mesmo antes da pandemia da COVID-19, os administradores se deparavam – em menor amplitude, é verdade – com a necessidade de prosseguir com determinada decisão de forma urgente. Assim, fica claro que, no momento atual, ao administrador é recomendável seguir as melhores práticas de mercado, que sempre se pautou para a tomada de suas decisões.
Vale dizer que, mesmo em vista de situações extremas e urgentes, é fundamental que os administradores estejam bem assessorados e sejam o mais transparentes possível na condução dos negócios da sociedade. Logo, ainda mais no atual cenário vivenciado, devem ser reforçados os dogmas de que a decisão do administrador deve ser desinteressada, informada e refletida.
Ainda segundo esse racional, na temática da transparência, é vedado ao administrador, mesmo que à pretexto de proteger a sociedade, ocultar ou mesmo maquiar informações – ou resultados – para que, por exemplo, terceiros continuem contratando com ela. Infelizmente, a pandemia muito possivelmente trará prejuízo às empresas, no entanto, pior será caso tente-se modificar esse cenário por meio de alterações ilegais.
Em conclusão, já que a pandemia da COVID-19, por si só, traz uma série de prejuízos e situações complexas para a vida de todos, cabe ao administrador ser diligente em todas as oportunidades, tudo de maneira a evitar futuros litígios.