Flexibilização de jornada e isenção de registro de ponto por acordo coletivo na mineração – posição conservadora da Justiça do Trabalho
A Reforma Trabalhista, dentre suas diversas alterações, deu força às negociações coletivas, ampliando a margem dos itens que, legalmente, podem ser objeto de transação[1]. Dentre esses itens, está a flexibilização do controle de jornada, ferramenta utilizada por muitos empregadores, dentre eles no Setor de Mineração, para garantir uma situação diferenciada aos empregados que ocupam atividades administrativas, normalmente em escritório.
No Setor de Mineração, o maior quantitativo de empregados está lotado nas áreas operacionais, nas proximidades das minas e/ou plantas de exploração, além de parques industriais, para eventual transformação e/ou beneficiamento do minério. Para estes empregados, o controle de jornada, por meio de cartão de ponto, acaba por exigir maior rigor de controle, havendo pouquíssima flexibilização dos horários de início e fim do expediente, vez que as atividades de produção desempenhadas nos setores operacionais deste seguimento demandam uma execução contínua, ou seja, sem interrupção. Assim, este controle de jornada corrobora para que atrasos sejam descontados e as horas extras devidamente remuneradas.
Por outro lado, os colaboradores que realizam atividades administrativas, seja dentro do próprio Setor Administrativo da empresa ou na parte administrativa dos Setores Operacionais, possuem uma nítida tendência e viabilidade de flexibilização de jornada quanto aos horários de entrada e saída.
Ainda que comumente vinculados ao horário comercial, percebe-se que pequenas variações nas jornadas de trabalho desse grupo de pessoas não trazem prejuízo ao seguimento do trabalho, podendo ser compensadas no mesmo dia ou em momento posterior. Desta forma, a flexibilidade moderada no horário de início e fim da jornada acaba sendo interessante a todos (empregador e empregado), impedindo, por exemplo, punições a eventuais atrasos que não impactem no desenrolar das atividades.
Muitas vezes, essa flexibilização ocorre de maneira informal, apenas “apalavrada”, fato este que, naturalmente, atrai riscos de irregularidades quando de fiscalizações e/ou Ações Trabalhistas.
Para combater essa irregularidade, alguns empregadores utilizam a Negociação Coletiva como forma de registrar, com o aval sindical, a ausência de controle em relação a esses empregados específicos. Isso porque, ainda que não ocupem cargo de confiança, são empregados com grau de instrução elevado, cuja flexibilidade na jornada, a princípio, representa uma relação ganha-ganha.
No entanto, a situação, ainda que prevista em lei, está longe de ser pacífica. Isso porque, o direito ao controle de jornada, suas limitações e horas extras decorrem de lei. Ao retirar o controle, há uma grande propensão de que eventuais horas extras não sejam efetivamente quitadas, seja porque não foram contabilizadas, seja porque o próprio empregador se recusa a reconhecê-las.
Com isso, há risco de nulidade da negociação-que afasta o controle, gerando, em ações individuais, condenação ao pagamento de horas extras e, na esfera coletiva, a distribuição de Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho.
O posicionamento da Justiça do Trabalho revela-se prioritariamente conservador, no sentido de negar a isenção de ponto. Para ilustrar, vale destacar decisão do Eminente Ministro Maurício Godinho Delgado, a qual invalida a negociação coletiva que possua como objetivo retirar o controle de jornada, sob o fundamento de que o registro de ponto representa direito fundamental do empregado[2].
Neste sentido, a cautela deve imperar na negociação da isenção de ponto. Para aumento da chance de êxito, deve ficar nítida a relação ganha-ganha que será estabelecida, evidenciando a contraprestação que será oferecida ao empregado, como, por exemplo, a flexibilidade, eventual adicional salarial, restrição do público-alvo: limitação aos altos salários, nível superior, dentre outras.
O escritório Inglez, Werneck, Ramos, Cury e Françolin Advogados possui larga experiência em negociação coletiva, visando ajustes na jornada e modalidade de controle, estando à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos complementares aos interessados acerca do assunto abordado neste artigo.
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[1] Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de trabalho;
[2] “AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . HORAS EXTRAS. ACORDO COLETIVO PREVENDO ISENÇÃO DO CONTROLE DE JORNADA. INVALIDADE. AUSÊNCIA DE CARTÕES DE PONTO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULAS 126 E 338, I/TST . É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário (Súmula 338, I/TST). Noutro norte, amplas são as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista. Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Nesse contexto, não poderia a norma coletiva restringir os efeitos de um direito assegurado constitucionalmente aos empregados, mormente quando se sabe que a jornada de trabalho superior a 8 horas é, obviamente, mais desgastante para o trabalhador, sob o ponto de vista biológico, familiar e até mesmo social, por supor o máximo de dedicação de suas forças físicas e mentais. Dessa forma, é de se reconhecer a nulidade de cláusula coletiva que isenta o empregador de registrar as horas efetivamente prestadas por seus empregados, já que a obrigatoriedade do registro de horário é garantida por norma de ordem pública, nos termos do artigo 74, § 2º, da CLT, e, portanto, infenso à negociação coletiva. Agravo de instrumento desprovido.” (ARR-1963-72.2015.5.08.0130, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 09/03/2018).
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Luiz Fernando Alouche, sócio responsável pela área trabalhista do Iwrcf (lalouche@iwrcf.com.br – (11) 4550-5036)
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Talita de Freitas Costa, advogada da área trabalhista do Iwrcf (tcosta@iwrcf.com.br – (31) 3555-3341).