Limitação de Responsabilidade nos Contratos Empresariais
Aplicabilidade, exceções e cuidados referentes às cláusulas de exoneração e limitação de responsabilidade
A inclusão de cláusulas concernentes à limitação e/ou exclusão de responsabilidade das partes tem se tornado cada vez mais habitual na celebração de contratos empresariais, a fim de evitar o comprometimento das operações das fornecedoras de bens e serviços, estabelecendo-se patamares financeiros mais realistas para eventual indenização, visto a dificuldade na previsão de todos os riscos e prejuízos que podem decorrer de suas atividades e na medida em que tais riscos possam representar montantes incompatíveis com sua capacidade econômica. As contratantes, por sua vez, tendem a enfrentar dúvidas e insegurança nestas situações.
Neste contexto, a exoneração e/ou limitação nas relações contratuais atingem a obrigação indenizatória das partes decorrente de eventual ação ou omissão correspondente a uma violação contratual, resultando em um dano efetivo (nexo causal) e configurando um ato ilícito civil contratual.
A regra do artigo 389 do Código Civil é que a parte ensejadora do ato ilícito deve reparar as perdas e danos à outra parte na proporcionalidade de sua extensão, sem mencionar qualquer limite. Entretanto, há exceções, dispositivos legais que desde logo já preveem a limitação de responsabilidade em determinadas hipóteses, como, por exemplo, o artigo 14 da Lei n.º 11.442/2007, segundo o qual a responsabilidade do transportador por perdas ou danos causados às mercadorias é limitada ao valor do conhecimento de transporte, acrescido dos valores do frete e do seguro correspondentes.
Portanto, geralmente, as cláusulas de exoneração ou de limitação de responsabilidade não são presumidas. Apesar disso, sua previsão expressa em um contrato paritário, discutido livremente e em igualdade de condições, ou seja, excluídas hipóteses de hipossuficiência de uma das partes, consistirá (potencialmente) em um acordo válido.
Vale esclarecer as exceções legais de não aplicabilidade deste tipo de cláusula em contratos de transporte de pessoas e de guarda em geral, cujo objetivo principal é a segurança do bem guardado1. Ademais, o artigo 10, §1º, inciso II, da Lei do Software (Lei nº 9.609/98) determina expressamente que são nulas as cláusulas que eximam qualquer dos contratantes das responsabilidades por eventuais ações de terceiros, decorrentes de vícios, defeitos ou violação de direitos de autor em contratos sujeitos à referida lei.
E então, com uma crescente frequência, nos deparamos com as mais diversas redações destas cláusulas nos contratos, com diferentes conceitos e tipos de danos, em regra não definidos pela legislação, ensejando, ainda atualmente, divergências em nossa doutrina e jurisprudência. Passemos a analisar tais conceitos e definições, sem a pretensão de exaurir o tema.
O dano direto é o dano produzido como consequência imediata de uma ação ou omissão de uma das partes (parte infratora). Por exemplo, vícios estruturais da construção, como rachaduras na parede e umidade nos pisos2.
Quanto ao dano indireto, trata-se de uma sucessão de prejuízos, visto que só é verificado como uma consequência posterior advinda do próprio dano direto: uma parte sofre um dano principal e, em consequência deste, ainda suporta outro. Seguindo o exemplo acima, seriam os rompimentos de canalizações de água e de esgoto, como consequência das rachaduras na parede ou umidade nos pisos. Fato é que a interpretação e enquadramento do dano como direto ou indireto podem ser subjetivos.
Os danos emergentes (ou danos positivos) consistem na efetiva diminuição do patrimônio, no prejuízo efetivamente sofrido, aquilo que a parte efetivamente perdeu; enquanto que os lucros cessantes são caracterizados pela frustação de uma projeção ou previsibilidade, que a parte razoavelmente deixou de ganhar por consequência do evento danoso. De acordo com o artigo 402 do Código Civil, as perdas e danos devidas ao credor incluem tanto os danos emergentes como os lucros cessantes (denominados também “perda de receitas” ou “custo de capital” – termo técnico da economia, e, neste contexto, também equiparado a lucros cessantes). Porém, estes lucros cessantes (ou qualquer nomenclatura que se queira adotar) devem englobar somente o valor que seria auferido se os fatos se desenrolassem dentro de seu curso normal, mediante comprovação com base em antecedentes, e não valores hipotéticos.
Dano reflexo e dano em ricochete são expressões de igual significado, e traduzem o dano que atinge terceira pessoa alheia àquela relação jurídica (danos a terceiros). Podemos exemplificar o empregado de uma empreiteira que sofre acidente na obra, que, ficando incapacitado, deixa de pagar pensão alimentícia ao filho. Este, tendo sido lesado, teria o direito de indenização do empregador do seu pai.
As expressões “danos incidentais e consequenciais”, normalmente, são encontradas em contratos traduzidos de instrumentos de países que baseiam seu sistema jurídico na common law, e sua conceituação diante de nosso atual ordenamento jurídico é temerária. Grosso modo, seria a perda de oportunidades comerciais, perda de concessões de crédito ou outros benefícios, ou, ainda, dano não resultante diretamente do ato ilícito, mas como resultado secundário de uma circunstância que este ato ilícito provocou, confundindo-se, assim, com o dano indireto.
Da mesma forma, nossa legislação e doutrina são (praticamente) silentes quanto à conceituação de danos remotos e eventuais, podendo ser considerados, informalmente, o dano remoto como aquele distante de ser previsível, consequencial, novamente se confundindo com dano indireto, e o dano eventual, o que é incerto, não efetivo, possível ou provável de ocorrer.
Do quanto exposto, é possível depreender que determinados tipos de danos (emergentes, lucros cessantes, danos reflexos ou por ricochete) podem ser caracterizados tanto como danos diretos quanto indiretos, a depender do nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente com a ilicitude e o dano. Não por outra razão, o artigo 403 do Código Civil dispõe que mesmo no caso de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos (danos emergentes) e os lucros cessantes por efeito direto e imediato da inexecução. Em contrassenso, danos emergentes e lucros cessantes podem decorrer, também, como efeito indireto e mediato da inexecução.
A propósito, muito se discute sobre o artigo 403 e a intenção do legislador. Há quem interprete o dispositivo com base na “teoria do dano direto e imediato” (uma “subteoria da necessariedade”), atribuída, no Brasil, a Agostinho Alvim, segundo a qual, mesmo que indireta ou mediata, uma condição é causa necessária se o dano a ela se filia necessariamente, ou seja, se a condição for causa única do dano, ou seja, causa necessária pois que explica o dano. Assim, é indenizável todo o dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano3.
As cláusulas de limitação da responsabilidade, por sua vez, remontam ao valor máximo de indenização para aqueles danos que foram previstos expressamente, quando nada mais será devido para compensar as perdas e danos, ainda que sejam superiores ao valor limite fixado.
Vale destacar que a cláusula penal por descumprimento, que é objetiva e independe da constatação de dano efetivo, também corresponde à limitação de responsabilidade (multa com caráter compensatório), pois, nos termos do parágrafo único do artigo 408 do Código Civil, ainda que as perdas e danos excedam ao valor da cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se não houver ressalva expressa em contrato da obrigação de indenização por perdas e danos completivos à cláusula penal.
Diante de tantas discussões sobre conceitos e validade de exclusão e limitação de danos, certos cuidados devem ser observados por ambos os lados contratantes quando da negociação de cláusulas desta natureza, para que tais disposições sejam válidas e exequíveis, e não caracterizem abusividade.
Prioritariamente, havendo ou não definições pacificadas na doutrina e jurisprudência, recomenda-se fortemente que os tipos de danos abordados nas cláusulas de exclusões/limitações sejam redigidos de forma contextualizada, contendo o significado de cada termo utilizado de forma clara na compreensão tanto das partes, como do juiz ou árbitro que, se necessário, venham a analisar o caso, ou seja, o famoso jargão “no entendimento do homem médio”. Pode ser inócuo transcrever uma cláusula extensa e robusta, “copiando” para o instrumento todos os conceitos possíveis e imagináveis, que se contradizem e/ou se confundem e que não sejam inteligíveis ou explicados, na ilusão de se precaver de tudo o que seja previsível e imprevisível.
Não menos importante, as multas devem receber conotação expressa de não compensatória (quando esta for a vontade das partes), de forma que a parte prejudicada possa, além de cobrar a multa, ser ressarcida de outros prejuízos incorridos com o inadimplemento, evitando que a cláusula penal se torne uma limitação de responsabilidade, como acima explicamos.
Tem-se que tudo se resume a negociações de boa-fé quanto à alocação dos riscos da contratação, visando proporcionalidade entre o preço proposto pela fornecedora e o preço que a contratante esteja disposta a pagar, em comparação aos riscos assumidos por cada uma delas. Cada qual deve avaliar, na maior extensão possível (de fato, uma tarefa árdua), os riscos envolvidos no negócio, as hipóteses indenizatórias, os valores de indenização que podem ser devidos, e ponderar se lhe é vantajoso assumir este ou aquele risco diante da importância e magnitude que aquela contratação lhe representa.
À contratante é prudente avaliar se as exclusões e limitações requeridas pela fornecedora devem permanecer seja qual for a obrigação inadimplida, ou se algumas obrigações, consideradas de maior relevância para suas atividades e seu setor, e diante da natureza dos produtos ou serviços contratados, devem ser ressalvas à aplicação da exoneração ou limitação, como danos decorrentes de descumprimento de obrigações de confidencialidade, responsabilidades trabalhistas, práticas anticorrupção, responsabilidades ambientais, dentre outras, visto que tais ações não exigem perícia ou cuidado da fornecedora na execução do objeto contratual, mas sim incolumidade de sua conduta como empresa, não merecendo, portanto, tratamento especial.
Recomenda-se, ainda, exceção às hipóteses de exclusão/limitação de responsabilidade para os atos dolosos ou fraudulentos, e até mesmo culpa grave. Embora a maior parte da doutrina e jurisprudência defenda a invalidade das cláusulas de limitação do dever de indenizar em caso de dolo e fraude, não há, no Brasil, legislação a dispor sobre a questão, pelo que se recomenda incluir previsão expressa no instrumento contratual.
Em linhas gerais, as cláusulas de exoneração e limitação de responsabilidade contratual são importantes mecanismos para trazer previsibilidade, segurança jurídica e definir a alocação de riscos no âmbito das relações contratuais empresariais.
Justamente por esse motivo é que a jurisprudência pátria, há muito, já vinha reconhecendo a validade desse tipo de avença em relações contratuais empresariais4, lembrando que nas relações de consumo, a inserção desse tipo de cláusula, salvo raríssimas exceções5, é considerada nula por força do disposto no art. 51, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor.
Com a recente promulgação da Lei 13.874/2019, que dispõe sobre a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelece garantias de livre mercado, a tendência é que tais cláusulas limitativas ou de exoneração sejam utilizadas e respeitadas pelos contratantes e pelo Poder Judiciário.
Isso porque, a Lei 13.874/2019 foi insculpida sob os princípios: (i) da “liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas” e (ii) da “intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas”, tendo reforçado o princípio do pacta sunt servanda, de que o contrato forma lei entre as partes e deve ser respeitado.
Tanto é assim, que a Lei em comento modificou o art. 421 do Código Civil, com a seguinte previsão em seu parágrafo único: “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”
Foi incluído ainda no Código Civil o art. 421-A, que estabeleceu que os contratos empresariais devem ser presumidos como igualitários, ou seja, eventuais pedidos de revisão contratual sob a alegação de hipossuficiência de qualquer natureza tendem a se tornar excepcionais. Cabe destaque para a premissa incluída pelo dispositivo, de que a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada.
Feitas essas considerações, denota-se que a negociação cautelosa de cláusulas limitativas ou de exoneração de responsabilidade será cada vez mais importante em contratos empresariais, sendo certo que as recomendações feitas ao longo deste artigo podem servir como balizas para tanto.
[1] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 3. ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 514.
[2] APELAÇÃO CÍVEL Nº 1034372-07.2014.8.26.0506, TJSP.
[3] REINIG, Guilherme Henrique Lima. A teoria do dano direto e imediato no Direito Civil brasileiro. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-abr-02/direito-civil-atual-teoria-dano-direto-imediato-direito-civil-brasileiro/ Acesso em 08 de outubro de 2019.
[4] STJ, REsp 1.076.465/SP.
[5] Nos contratos de Seguro (REsp 988.044/ES) e nos Contratos de aluguel de cofres bancários (TJSP, Apel. 0149815-48.2012.8.26.0100), mesmo em se tratando de relações de consumo, são aceitas as cláusulas de limitação e exoneração de responsabilidade. Como exemplo, podemos citar o segurado que passa informações inverídicas ao Segurador. Nessa situação, o Segurador estará exonerado de pagar indenização caso seja identificado um sinistro.