A Oferta de Canais Lineares na Internet como Serviço de Valor Adicionado (SVA)
O mercado aguardava com grande expectativa o posicionamento da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) acerca do enquadramento regulatório da oferta de canais de programação linear via internet, no formato conhecido como OTT (Over The Top, em inglês), ou seja, por meio daquelas aplicações acessadas ou entregues na rede pública que podem substituir de forma direta ou funcional os serviços de telecomunicações tradicionais.[1]
O tema, que está em voga desde as denúncias apresentadas pela operadora de televisão por assinatura Claro em face das programadoras de canais de televisão Fox e Turner há mais de um ano, foi amplamente discutido pelo Conselho Diretor da ANATEL, que concluiu, em reunião extraordinária realizada na última quarta-feira (9), que o serviço não pode ser caracterizado como Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), como pretendia a Claro, indeferindo e arquivando as denúncias feitas pela operadora.
Os Conselheiros da ANATEL, unanimemente, entenderam que a oferta de conteúdo OTT pressupõe a necessidade de contratação de um serviço de internet, caracterizado como um serviço de telecomunicações, o que por si só estaria em desalinho com a definição de SeAC trazida pela Lei 12.485/2011, na qual o serviço de acesso condicionado é o serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado (…). Nos termos do voto proferido pelo conselheiro Emmanoel Campelo, “Na medida em que se verifica a necessidade da contratação de serviço de telecomunicação para se usufruir do acesso aos canais pela Internet, resta excluída a caracterização do SeAC.”[2]
Para o Conselho, a oferta feita via internet constitui um serviço de valor adicionado, conforme conceito extraído do artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações: Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. O parágrafo primeiro do referido artigo ainda menciona, de forma expressa, que o serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição
Ainda segundo Campelo, a classificação deste modelo de negócio como SVA se mostra suficiente e integralmente abarcada pela legislação atual, estando em conformidade com as disposições trazidas pela Lei Geral de Telecomunicações, pela Lei do SeAC pelo Regulamento do SeAC e com a Portaria MCTIC nº 1.153/2020, razão pela qual não entendeu demonstrada a necessidade de definição de um subtipo ou outro topo de serviço, como havia sugerido em seu voto o conselheiro relator Vicente Aquino, propondo denominar a oferta de conteúdo audiovisual programado via internet de Televisão Linear por Assinatura na Internet (TVLAI).
Campelo também reiterou em seu voto a afirmação já explanada na manifestação anterior feita pela área técnica da Agência, segundo a qual “é de se esperar que determinado setor da economia tenha que se reestruturar, ou até mesmo se reinventar, diante de progresso tecnológico suficientemente inovador e capaz de transformar a essência daquele mercado, por exemplo, elaborando novos meios de produção ou novas modalidades e facilidades de acesso aos bens. Como já mencionado, o potencial de transformação da inovação tecnológica na sociedade da informação não vem somente do potencial intrínseco à tecnologia, mas baseia-se num conjunto maior de fatores componentes da sociedade que podem, ou não, maximizar os efeitos da inovação tecnológica. Isso significa que os efeitos da contestação de determinado mercado, por ocasião de progresso tecnológico, devem ser considerados como demandas da própria sociedade e não serem vistos, necessariamente, como um desajuste de comportamento daqueles que contestam um mercado tradicional”, mas concluiu dizendo que “não é dever da Anatel proteger e assegurar a sobrevivência de determinadas tecnologias, serviços ou business plans de empresas específicas. O princípio da neutralidade tecnológica não favorece esse tipo de interferência, que entendo ser indevida, seja para estimular ou desestimular artificialmente a adoção, pelo consumidor final, de determinadas empresas, modelos ou serviços.”
Apesar de o Conselho ter entendido pela dispensabilidade de edição de uma súmula sobre a matéria neste primeiro momento, considerando que os serviços disponibilizados pela internet têm crescido exponencialmente e que uma súmula poderia ter efeitos negativos como o “engessamento” do entendimento, fato é que a decisão representa um marco importante para o mercado, com grande repercussão setorial. Certamente as discussões havidas durante todo o feito e os fundamentos que embasaram a decisão do Conselho nortearão as eventuais análises feitas pela área técnica da ANATEL em casos análogos ou semelhantes que sejam submetidos à Agência no futuro.
[1] Fonte: https://www.anatel.gov.br/institucional/noticias-destaque/1968-proposta-brasileira-de-definicao-de-otts-e-adotada-internacionalmente, acessado em 11 de setembro de 2020.
[2] Fonte: https://teletime.com.br/wp-content/uploads/2020/09/Voto-Claro-Fox.pdf, acessado em 11 de setembro de 2020.