Para Procuradoria da ANATEL, canais de programação linear na internet não estão sujeitos à Lei do SeAC
Desde 2018, a operadora de televisão por assinatura Claro e as programadoras de canais de televisão Fox e Turner travam um embate que promete impactar significativamente o setor de telecomunicações, uma vez que versa sobre o enquadramento regulatório da oferta de canais lineares por meio da internet, mediante pagamento de mensalidade.
A Claro apresentou no mesmo ano denúncias à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) questionando a legalidade dos modelos de negócio direct to consumer praticados pela Fox e pela Turner por meio dos serviços Fox+ e Esporte Interativo Plus.
Para o CEO da Claro, José Félix, “não está previsto em lei o que eles estão fazendo. Aliás, está previsto em lei: na Lei do SeAC. Quer fazer? Precisa ser SeAC (Serviço de Acesso Condicionado), com todas as obrigações. Se você está fazendo alguma coisa que está embaixo da legislação, tem que cumprir a lei. Pode gostar ou não (da lei), pode trabalhar para revogá-la, mas é a que existe e está sendo descaradamente infringida e ninguém fala nada.”[1]
Em síntese, existe uma grande controvérsia sobre o posicionamento destas novas tecnologias de oferta de conteúdo dentro do ordenamento jurídico. Aqueles que sustentam que se trata de uma prestação de serviços de acesso condicionado, o fazem substancialmente com base em uma definição da Lei do SeAC, em que serviço de acesso condicionado é o serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer. Para este grupo, a intenção do legislador foi dar tratamento específico a este tipo de serviço independentemente da tecnologia utilizada para a sua distribuição, o que não excluiria a internet.
Por outro lado, para os que defendem que a oferta de canais lineares pela internet não se trata de acesso condicionado, a chave da questão está na Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97 ou LGT). Para este grupo, esta oferta feita via internet constitui um serviço de valor adicionado, o qual, conforme disciplinado pelo artigo 61 desta Lei, é visto como a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. O parágrafo primeiro do referido artigo ainda menciona de forma expressa que o serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
Tomando esta premissa por base, a definição trazida pela Lei do SeAC não seria aplicável a este tipo de serviço, correto?
Segundo as recentes manifestações da Procuradoria Federal Especializada junto à ANATEL, sim. A Procuradoria, que já havia emitido parecer neste sentido durante o procedimento de tomada de subsídios instaurado pela ANATEL, ratificou o seu entendimento, agora frente ao Supremo Tribunal Federal, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (BRAVI). Para a Agência, a generalização trazida pela Lei do SeAC com relação à prestação de serviços de acesso condicionado por meio de quaisquer tecnologias não pode ser interpretada como abrangente de toda e qualquer tecnologia que ver a ser criada, mas sim referente àquelas existentes à época de seu processo legislativo, quais sejam: serviços de TV a Cabo (TVC), Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS), de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura Via Satélite (DTH), e Especial de Televisão por Assinatura (TVA).
Acrescente-se que posteriormente à promulgação da Lei do SeAC, o Marco Civil da Internet (MCI) veio regular a internet de forma específica, trazendo alguns princípios como o da livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, além da liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos no Marco Civil.
Para a Procuradoria, ainda, postos estes termos, pode-se afirmar que o processo de convergência digital, aliado à natureza livre, aberta e descentralizada da internet, viabiliza e confere incentivos para o desenvolvimento de novas aplicações, capazes, inclusive, de incorporar e replicar funcionalidades até então ofertadas exclusivamente por prestadoras de serviços de telecomunicações. Em conformidade com o disposto no Marco Civil da Internet, esse ambiente de inovação deve ser preservado e respeitado. Deve-se evitar, especialmente, a imposição de barreiras regulatórias artificiais, que possam atingir, entre outros princípios, a abertura, a natureza participativa e a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet. Por isso, como regra geral, sempre que instada a se manifestar sobre novas aplicações ofertadas no ambiente da internet, a Anatel deve perseguir tais diretrizes, o que, efetivamente, tem sido observado pela Agência em hipóteses similares.[2]
Por fim, vale destacar que a ANATEL não nega a existência de um desequilíbrio causado pela ausência de regulamentação específica para a oferta de canais lineares via internet, quando comparada à oferta realizada por meio dos serviços de acesso condicionado tradicionais. No entanto, a Agência pontua que esta é uma questão para ser amplamente debatida junto ao Congresso Nacional, posto que na qualidade de órgão regulador das telecomunicações, foge de sua competência legislar para sanar estas desigualdades.
[1]Fonte: https://www.minhaoperadora.com.br/2019/01/claro-formaliza-guerra-contra-fox-e-turner.html, acessado em 25.05.20.
[2] PARECER nº 00073/2020/PFE-ANATEL/PGF/AGU.