Saudades de um cineminha…
No atual cenário, em razão da pandemia causada pela COVID-19 há mais de um ano, a ida ao cinema, um dos programas mais tradicionais de lazer, está sendo amplamente afetada em todo o mundo.
Todavia, o fato de no Brasil ainda não ser possível assistir a um filme no cinema não impede que questões envolvendo a “telona” continuem sendo discutidas no mundo jurídico.
Tanto é que, no último dia 18 de março, o Recurso Extraordinário 627.432, interposto pelo Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Estado Do Rio Grande Do Sul e no qual União e Agência Nacional do Cinema – ANCINE figuravam como recorridas, teve o seu julgamento concluído pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”). O caso analisou a constitucionalidade de alguns dispositivos da Medida Provisória nº 2.228/2001, que fixou a comumente denominada “cota de tela”, que trata da obrigatoriedade de exibição de um número mínimo de obras nacionais nas salas de cinema do país.
Em uma breve digressão histórica, vale lembrar que em 1932 foi promulgado o Decreto 21.240, primeira legislação brasileira a tratar do tema, cuja finalidade foi nacionalizar o serviço de censura dos filmes cinematográficos. Após, veio o Decreto-Lei 1949/39, que obrigou os cinemas a exibir, no mínimo, um filme nacional de entrecho e de longa metragem.
Entre 1950 e 1959 a obrigatoriedade era a exibição de 6 filmes nacionais ao ano, porém em 1959, o critério é alterado, até então era estabelecida a quantidade de filmes nacionais que seriam exibidos no ano, após, a quantidade passa a ser estipulada pela proporcionalidade, isto é, considerando número de dias ao ano e não quantidade de filmes, que, até 1963, foi de 42 dias. A partir de 1963 a cota estabelecida foi de 56 dias por ano, que passou a dobrar no ano seguinte.
Pois bem! Fato é que até o ano 2001, a cota de exibição de filmes nacionais sofreu diversas oscilações. Com a adoção à Medida Provisória 2.228-1, determinou-se que a “cota de tela” seria definida anualmente por decreto presidencial, bem como estabeleceu-se penalidades àqueles que descumprirem tal obrigatoriedade:
“Art. 55. Por um prazo de vinte anos, contados a partir de 5 de setembro de 2001, as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial exibirão obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem, por um número de dias fixado, anualmente, por decreto, ouvidas as entidades representativas dos produtores, distribuidores e exibidores.”
“Art. 59. O descumprimento da obrigatoriedade de que trata o art. 55 sujeitará o infrator a multa correspondente a 5% (cinco por cento) da receita bruta média diária de bilheteria do complexo, apurada no ano da infração, multiplicada pelo número de dias do descumprimento.”
Na concepção do Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Estado Do Rio Grande Do Sul, porém, tais dispositivos estão eivados de inconstitucionalidade, visto que ferem o fundamento da livre iniciativa (art 1º, inciso IV da Constituição Federal) e configuram ingerência do Estado sobre a atividade econômica das empresas privadas que atuam no ramo, contrariando o disposto no artigo 174 da Carta Magna.
Em suma, o Sindicato pretendeu demonstrar, através do Recurso Extraordinário, que as restrições às atividades privadas não sujeitas a outorgas públicas são indevidas e afrontam preceitos constitucionais básicos.
E, em que pesem os esforços dos Recorrentes para demonstrar a inconstitucionalidade das normas acima, o STF considerou constitucionais as disposições que reservam um número mínimo de dias para a exibição de filmes nacionais nos cinemas brasileiros (cota de tela), bem como aquelas que exigem percentuais mínimos e máximos para a produção de programas culturais, artísticos e jornalísticos no município para o qual foram outorgados os serviços de radiodifusão.
Nas palavras do procurador-geral da República Augusto Aras, que durante o julgamento sustentou pela Procuradoria:
“Nada adianta (…) significativa expansão da criação e produção do cinema nacional se não houver na cadeia de consumo um mercado sensível ao produto artístico veiculado pelos diretores brasileiros. (…) o público brasileiro sequer tem conhecimento da existência e disponibilização do filme nacional. Em apreço ao dever constitucional de promover a repercussão da produção cultural nacional, o Estado desemprenha atividade que a doutrina administrativa clássica denomina de fomento”.
Em consonância com a argumentação, o Tribunal fixou a seguinte tese de repercussão geral, tema 704:
“São constitucionais a cota de tela, consistente na obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais nos cinemas brasileiros, e as sanções administrativas decorrentes de sua inobservância” – voto do Relator Min. Dias Toffoli.
Como nos parece evidente, a tese do STF se alicerça no fato de a Corte considerar as respectivas normas como um mecanismo que protege a indústria nacional do audiovisual e amplia o acesso à cultura. Esta tese, de agora em diante, servirá para balizar as decisões dos demais tribunais do país em relação à temática.
Enfim, independentemente de se tratar de filme nacional ou estrangeiro, fato é que a saudade de ir ao cinema, por ora, ainda permanece enquanto perdurar os efeitos da pandemia.